Os anos da geringonça tiveram um profundo impacto na vida política portuguesa. Sim, à esquerda, isso é óbvio. Por um lado, construíram-se pontes de ligação entre PCP-BE e PS, que se julgavam politicamente impossíveis de elevar. Por outro lado, transformou-se o discurso político do PS no que à contenção da despesa pública diz respeito, arrastando toda a esquerda para a celebração de défices historicamente baixos. Ora, o efeito transformador destas alterações para o posicionamento político da direita foi tremendo: deixou PSD-CDS com a dupla obrigação de vencer eleições somando uma maioria absoluta e de alterar os alicerces do seu discurso político dos últimos 15 anos. Foi nesta transição que Passos Coelho falhou. Será por esta transição que, enquanto líder do PSD, Rui Rio será avaliado.

Desde que Guterres se afundou no “pântano” que vigora o entendimento de que só PSD-CDS no governo garantem contas públicas em ordem e défices controlados. A ideia enraizou-se no discurso da direita e ganhou alento com o desequilíbrio dos governos Sócrates e o período de assistência financeira. Quando António Costa se sentou em São Bento, foi precisamente por aí que a direita desenhou a sua estratégia na oposição – no relembrar da irresponsabilidade orçamental do PS, no apontar do dedo ao extremismo ideológico de PCP-BE e no anúncio de um Diabo financeiro à espreita. Só que a liderança de Mário Centeno nas finanças arrasou esse discurso – a contenção orçamental prevalece, as metas do défice são superadas, a economia cresce, as agências de rating reconhecem as melhorias. Pior: a eleição de Centeno para presidir ao Eurogrupo, morada da ortodoxia orçamental europeia, assegurou que o rumo da esquerda se iria manter nos próximos anos. Ora, não significa isto, entenda-se, que as políticas do actual governo sejam as mais acertadas ou que não representem riscos elevados para o futuro – esse é outro debate. Importa agora que, do ponto de vista da apresentação de uma alternativa política, o discurso da direita deixou de servir, porque deixou de ser verosímil associar Centeno e Costa ao descalabro das contas públicas. A pergunta que fica é esta: sem poderem acusar o PS de arriscar a saúde das contas públicas, que alternativa apresentam PSD-CDS ao país?

Creio que a melhor resposta a esta pergunta seria PSD-CDS liderarem um projecto reformista para o país. Porque é precisamente aí que o governo PS tem as mãos atadas: ao depender do apoio de PCP e BE, os socialistas não têm condições para implementar reformas nos vários sectores da governação que, inevitavelmente, chocam com as intenções sindicais e as clientelas dos partidos de esquerda. Gerir o dia-a-dia serve, por enquanto, para estar à frente nas sondagens – e, muitos argumentarão, é isso que realmente interessa. Mas, num contexto europeu competitivo, o sucessivo adiar de reformas nas áreas-chave da governação dificilmente será sustentável para o país.

A dúvida, contudo, é se será esta a resposta de Rui Rio na liderança do PSD para preencher o vazio do discurso da direita. Os próximos meses dirão. Na última semana, não faltou quem enumerasse os desafios e as primeiras decisões que Rui Rio terá de enfrentar quando, em Fevereiro, assumir a liderança do PSD. Unir o partido, reorganizar o grupo parlamentar, preparar os combates eleitorais que virão. Tudo isso é importante, sem dúvida. Mas nada disso terá importância se não servir um propósito maior: a liderança de um projecto reformista e modernizador do país, nas suas várias áreas. Porque é, afinal, aí que tudo se joga: ou Rui Rio consegue explicar que só PSD-CDS podem preparar o futuro e ir onde a esquerda não vai, ou ficará a perseguir a miragem de um Bloco Central que, para além de indesejável, o PS de António Costa nunca aceitaria.

Dito de forma simples: Rui Rio até pode perder em 2019, mas a única forma de tentar ganhar é construir no PSD uma alternativa reformista e de futuro. Algo que à esquerda é por definição incomportável, pois choca com as bases de apoio de PCP e BE. Se Rui Rio não for o reformista, será sem dúvida o derrotado.

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