O papel dos sindicatos na sociedade portuguesa fica, mais uma vez, evidenciado na luta dos estivadores do porto de Lisboa e na questão dos colégios com contratos de associação. No entanto, são vários os estudos que apontam para a erosão sindical, nomeadamente em relação ao caso português.

Em O futuro do sindicalismo na representação sociopolítica (Estanque, Costa, Carvalho da Silva: 2015)[1] ficava o alerta para a erosão sindical. Em 34 anos a taxa de sindicalização em Portugal desceu 41,8%. Ou seja, caiu de 60% para 19%, o que remete Portugal para um núcleo de países onde a quebra da sindicalização é mais acentuada como referem Pedro Portugal e Hugo Vilares em Sobre os sindicatos, a sindicalização e o prémio sindical [2].

A situação portuguesa encontra paralelo, por exemplo, no caso francês como o deixa claro uma sondagem, divulgada pelo Le Figaro (maio 2015) na qual 54% dos inquiridos qualifica os sindicatos como inúteis e 74% não lhes reconhece a capacidade de adaptação às novas realidades económicas, reféns de um espírito igualitário e de luta de classes anacrónico. Porquê?

A ruptura entre a opinião pública e os sindicatos alicerça-se: 1) numa liderança baseada numa linguagem alegadamente alheada da realidade, utilizando um jargão desfasado da atualidade; 2) na incapacidade de acompanhamento das metamorfoses do mundo laboral e impreparação em relação a temas como os da precariedade que originaram na sociedade civil respostas como a Associação Precários Inflexíveis; 3) na perda da exclusividade com os partidos na organização de eventos mobilizadores como o deixaram claro o conjunto de manifestações denominadas “Geração à Rasca”; 4) no atraso na articulação com os novos movimentos sociais: e 5) na saturação da opinião pública relativamente ao número de paralisações, convicta da influência prejudicial sobre o crescimento económico (por exemplo, as 119 greves de 2013 implicaram a perda de 77 mil dias de trabalho).

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A liderança sindical reclama para si o uso exclusivo duma nomenclatura panfletária caraterizadora do seu poder reivindicativo herdado dos primórdios do sindicalismo que, embora tenha evoluído num sentido reflexivo, parece por vezes alheada da realidade económica e de quem representa.

Carlos Fernandes de Almeida [3] refere que o sindicato de massas, face ao seu predomínio institucional e burocrático, perdeu uma parte considerável do elemento democrático e fraternal de outrora e que é, na verdade, um importantíssimo canal de ascensão social em que muitos dirigentes do sindicalismo indiretamente ligados às realidades que representam e defendem passam facilmente para a carreira política.

A título de exemplo, entre nós, Mário Nogueira da Fenprof não dá aulas há cerca de duas décadas e João Proença, ex-secretário-geral da UGT, acabou em 2013 assessor de Pedro Reis na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), tutelada pela Presidência do Conselho de Ministros e foi eleito em 2015 presidente do Centro de Relações Laborais (CRL).

Outro aspeto importante é o fato de a CGTP e a UGT, as organizações sindicais com maior representatividade dos trabalhadores, serem frequentemente incapazes de chegarem a acordo entre si, conduzindo isso a uma contraproducente atomização da negociação.

A súmula destes fatores faz com que o trabalhador opte por comportamentos de free-riding na sua relação com os sindicatos, em que não estando disponível para os custos inerentes à sindicalização (quotização) acaba beneficiando por aquilo que estes acordam.

Esta quebra de representatividade, para além de enfraquecer o poder negocial dos sindicatos, por exemplo, nos processos de concertação social onde têm um papel preponderante, põe em causa o artigo 56º da Constituição que garante aos sindicatos o monopólio da representação coletiva dos trabalhadores.

Analisemos o assunto à luz da questão do financiamento de turmas nos colégios com contratos de associação.

Afeta à CGTP e por sua vez ligada ao PCP, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), a mais representativa da classe, tem uma conduta sindical mais dura. Na guerra entre sindicatos de professores (maio 2015), esta é acusada pela FNE de provocar um prejuízo irreparável para os seus associados, deixando os docentes do privado desprotegidos e por não ter negociado e assinado o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) para o Ensino Particular e Cooperativo, incitando a classe a recusar o contrato.

Um ano volvido (maio 2016) a Fenprof, depois de um relativo silêncio em relação à situação dos professores a lecionar em escolas com contrato de associação, matéria onde tem tido uma grande preponderância na discussão, garantiu que irá apoiar judicialmente todos os associados que sejam ilegalmente despedidos das escolas privadas. Suficiente?

O discurso corporativo-ideológico da Fenprof reacende o debate sobre os dirigentes sindicais, a sua liderança, legitimidade e representatividade sindical em si. Porquê?

O que está em causa não é a vontade da Fenprof de questionar um modelo, contratualizado, de investimento do Estado na educação, mas algo mais substancialmente definidor da atividade sindical: a defesa dos interesses dos trabalhadores.

Ocupada com a defesa da escola pública, a Fenprof parece preferir a luta pelo corte do financiamento público de turmas dos estabelecimentos com contratos de associação, ao que por natureza devia ser a sua prioridade, ou seja, os docentes, deixando-os vulneráveis a abusos.

Numa análise custo benefício estarão os seus associados a ver compensados os montantes inerentes à sua sindicalização. A Associação de Professores das Escolas Particulares e Cooperativas com Contrato de Associação (APEPCCA) considera que não.

Antes de mais, a posição da Fenprof vai incentivando o já citado free-riding que tem levado ao enfraquecimento do poder sindical e à sua erosão generalizada. Em última análise, o que está em causa é a possibilidade da Fenprof daqui para a frente, face ao seu relativo silêncio em relação aos docentes dos colégios privados, poder reclamar para si o estatuto de representante da totalidade dos professores quando o que demonstra a sua atuação é a sua preocupação, exclusiva, pelo ensino público.

Ora, isto é particularmente importante tendo em consideração que se trata de professores, a maior classe profissional portuguesa, que entre 2004-2014 tiveram uma quebra de 25 a 26% de elementos devido ao desemprego e que quase metade são sindicalizados.

Deverão estes docentes continuar a acreditar na capacidade da Fenprof para os representar ou será expectável que este procedimento esteja em consonância com a sua exclusão de futuras reflexões educativas e defesa de direitos?

Que tipo de representação pode o associado esperar da Fenprof? Qual o seu mérito? E, já agora, no organigrama sindical português é a regra ou a exceção?

Como refere Carlos Fernandes de Almeida, “os filiados num sindicato não formam, ao contrário do que muitas vezes se supõe, um grupo homogéneo”. É precisamente ao esquecer isso que a Fenprof falha.

Não havendo dúvidas quanto à importância dos sindicatos para as sociedades democráticas, o que fica ameaçado com esta pescadinha de rabo na boca da Fenprof é o binómio legitimidade/representatividade.

Em suma, são este tipo de clivagens sindicato/associado que levantam a questão de quem e o quê representam os sindicatos: se a totalidade da população que acreditou estarem aptos e motivados para defender os seus direitos, se a que denota preferência pela sua ideologia. E, no fim, quem ganha realmente com isso?

Investigador Associado do Observatório Político

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[1] In André Freire (org.), O futuro da representação política democrática, Lisboa: Nova Vega.
[2] In Banco Portugal, Boletim Económico – Inverno 2013, Volume 19, Número 4.
[3] In O sindicalismo nos países industriais: factores internos da sua evolução, 1964, Análise social, vol.2, n. º 5, pp. 66-89)