É hoje aceite que a defesa da floresta contra os incêndios está ligada ao planeamento e a uma exploração sustentável da floresta. A realidade portuguesa apresenta desafios que prejudicam a sua exploração económica: a propriedade, em especial no Norte, encontra-se espalhada em minifúndios e existem muitos terrenos deixados ao abandono: uns não têm dono conhecido, outros são propriedade do Estado.

A «Reforma das Florestas» é composta por um conjunto de medidas legislativas. Alguns diplomas foram já aprovados pelo Governo, outros estão pendentes na Assembleia da República.

Um dos diplomas já aprovados prende-se com a alteração do regime das zonas de intervenção florestal (ZIF), também conhecidas por «condomínios florestais». As ZIF são áreas de território, constituídas maioritariamente por espaços florestais, sujeitas a um plano de gestão florestal, sob administração de uma entidade gestora (em regra, uma associação de proprietários ou de produtores florestais). Os proprietários não são obrigados a aderir à ZIF, mas estão obrigados a cumprir o plano, a menos que tenham um plano próprio aprovado. Para incentivar a criação de novas ZIF, o Governo veio agora reduzir a área territorial mínima, o número de proprietários e o número de prédios para a sua constituição.

Também já foi aprovado um regime de reconhecimento de entidades de gestão florestal (EGF). O propósito deste regime parece ser o de incentivar a adesão – sem obrigação – dos proprietários florestais a modelos cooperativos ou empresariais que permitam uma valorização dos ativos florestais e a sua rentabilização económica. Os activos sob gestão de uma EGF devem ter uma área mínima de 100 hectares, sendo que metade deve ser ocupada por prédios disponibilizados através do (futuro) banco de terras ou por prédios rústicos de reduzida dimensão. As EGF ficarão habilitadas a aceder a apoios públicos, bem como a incentivos fiscais e emolumentares.

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Este regime de reconhecimento das EGF, por permitir uma gestão profissional com valorização e rentabilização da floresta no seu conjunto, é de aplaudir, não obstante não ser inteiramente clara a sua articulação com o que se pretende para as ZIF e de ser necessário ir acompanhando a evolução da área ardida dentro e fora das áreas ZIF e EGF, para verificar se as medidas estão a resultar.

De forma a incentivar o aproveitamento de resíduos florestais para a produção de energia e diminuir o risco de incêndio, foi também aprovado um regime especial para a instalação e exploração de novas centrais de biomassa por municípios e entidades de âmbito intermunicipal.

Além destes diplomas já aprovados, existem outras iniciativas em discussão na Assembleia da República. Depois do incêndio de Pedrógão Grande, a pressão para a aprovação dos diplomas é gigante.

Por um lado, está em debate a alteração do regime jurídico das ações de arborização e rearborização, que abrange, entre outros, regras relativas à plantação do eucalipto, a transferência para os municípios das competências respeitantes à viabilização de ações de arborização e rearborização, bem como a possibilidade de o ICNF «embargar» ações florestais ilegais.

Encontra-se também em discussão a criação de um banco nacional de terras. O seu propósito é o de permitir o aproveitamento de terras sem dono conhecido, bem como do domínio privado do Estado. Estes terrenos são disponibilizados pelo banco de terras para que possam ser explorados por vários tipos de entidades e por meio de diferentes instrumentos jurídicos. A cedência de terras será feita, em regra, através de procedimento concorrencial e na adjudicação haverá preferência a favor das EGF quando se trate de terrenos aptos para utilização florestal e a favor de jovens agricultores, de proprietários confinantes, de desempregados e de refugiados, quando se trate de terrenos de aptidão agrícola ou silvopastoril. Parece estar afastada a possibilidade, admitida inicialmente, de os terrenos sem dono conhecido poderem ser, após alguns anos, definitivamente transmitidos.

Complementarmente, está também prevista uma bolsa nacional de terras, composta por terras voluntariamente disponibilizadas por pessoas singulares ou empresas privadas, autarquias e pelo sector empresarial do Estado.

Serão ainda debatidas a alteração do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios e a criação de um sistema de informação cadastral simplificada (de onde se destaca o procedimento de identificação, inscrição e registo de prédio sem dono conhecido).

Adiada parece estar a discussão relativa à criação de benefícios fiscais e outros benefícios no sector florestal. Estão nomeadamente em causa incentivos como a isenção de IRC para as EGF, a redução de taxas de tributação dos rendimentos distribuídos aos titulares da EGF ou a majoração dos custos suportados pelos proprietários florestais com despesas em operações de defesa da floresta contra incêndios e com a elaboração de planos de gestão florestal.

A discussão e votação na especialidade destes diplomas está marcada para hoje, 18 de julho, na Comissão de Agricultura e Mar, estando prevista a votação final já amanhã no último plenário desta sessão legislativa.

O combate aos incêndios é um tema sensível, especialmente depois da tragédia de Pedrogão Grande. É verdade que precisamos de uma solução estrutural que nos ajude a ter uma floresta mais ordenada e menos propensa a incêndios, mas as pressões do momento não nos devem impedir de refletir de uma forma racional sobre todas estas questões.

Advogada da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados