A SIRESP – Gestão de Redes Digitais de Segurança e Emergência, S.A., é a parceira do Estado Português na área da segurança desde 4 de julho de 2006, com base numa parceria público-privada (PPP). Uma PPP tem como fundamento último o racional de maior economia, eficiência e eficácia da gestão privada de tarefas públicas.

Para este efeito, a fase de preparação e desenho da parceria deve constituir o “ponto de partida” de qualquer projeto de PPP, ponto este a partir do qual estes complexos negócios nascem saudáveis – se bem planeados – ou enfermos – se fundados em rudimentares “esquissos” traçados exclusivamente sob a agenda política de quem governa. Esta fase preparatória integra múltiplas ponderações e tarefas do parceiro público, desejavelmente sustentadas na sólida assessoria técnica de especialistas, como, por exemplo, a análise, no plano de custo-benefício, das vantagens económicas e maior eficiência e eficácia da parceria em face de outras alternativas, as projeções dos custos para o erário público associados à via PPP, ou os exatos objetivos que a parceria deve respeitar para servir os seus propósitos.

Desde a tragédia de Pedrógão Grande no passado dia 17 de junho, têm vindo a lume as insuficiências do próprio sistema SIRESP para dar resposta aos eventos ocorridos, bem como a possibilidade de a SIRESP, S.A., se exonerar, com base no contrato, de qualquer responsabilidade associada a “falhas” do sistema. Noticia-se, também, a eventualidade de aquela permanecer, incólume, a receber a contrapartida financeira (“renda” por disponibilidade do sistema) acordada com o Estado até ao termo do contrato, sem qualquer penalização contratual. Porque, afinal de contas, e de acordo com o Relatório de Desempenho da Rede SIRESP divulgado pela comunicação social, terá ficado demonstrado que o sistema esteve à altura do teatro das operações e que a rede funcionou de acordo com a respetiva “arquitetura” desenhada – leia-se – pela própria SIRESP, S.A..

Estes factos noticiados e documentados constituem uma exemplar chamada de atenção para a maior patologia das PPP do nosso País: o défice de uma rigorosa preparação pelo parceiro público destes contratos, seja na análise sobre a necessidade e as vantagens da PPP em face de outras alternativas, seja na correta definição do seu objeto, seja na repartição dos riscos entre os parceiros ou, ainda, na delimitação das suas responsabilidades contratuais.

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A produção apressada de “rascunhos contratuais” para inglês ver (literalmente, se considerarmos a origem anglo-saxónica das PPP) substitui o planeamento atempado de um rigoroso desenho contratual da parceria, com “régua e esquadro”. E era ao Estado Português que, por lei, e já em 2006, incumbia, fazer esse desenho do projeto SIRESP. Vigorava, nessa altura, o Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, diploma com normas aplicáveis às PPP no domínio da preparação, que, nos termos do contrato SIRESP, foi tido em consideração na sua elaboração. Terá mesmo sido?

As consequências do défice de preparação pelo Estado deste tipo de contratos está à vista nos inúmeros processos de “reequilíbrio” das PPP, quase sempre em favor dos parceiros privados. A atitude incauta do Estado em “aderir” a contratos integralmente desenhados pelos parceiros privados coloca-o, hoje, no caso SIRESP, numa posição de dificuldade, ou mesmo incapacidade, para apurar eventuais responsabilidades da sua parceira por incumprimento do contrato porquanto, na aparência, nada se pode apontar ao seu desempenho.

Urge, portanto, focar no essencial e refletir, a montante, sobre o rigor empregue na preparação das PPP, a eliminação de condutas de “adesão” do Estado a contratos pensados pelos parceiros privados em desprimor do interesse público, e o reforço da transparência destes negócios, aspetos instrumentais para o necessário apuramento de responsabilidades. O trágico e, pelas piores razões, emblemático caso SIRESP assim o exige.