Pedro Nuno Santos, dirigente socialista, tinha, em 2011, uma conhecida visão para a resolução do problema da dívida soberana portuguesa: “estou a marimbar-me que nos chamem irresponsáveis, temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e franceses, essa bomba atómica é simplesmente não pagarmos”. De ideias fixas, o mesmo Pedro Nuno Santos propunha, em Julho de 2014, a reestruturação da dívida, ao lado de outros economistas (entre os quais Francisco Louçã). Ainda, há um ano (Fevereiro de 2015), ele enaltecia aquela que considerava ser uma “táctica inteligentíssima” – a de Varoufakis e Syriza que, em negociações com Bruxelas, exigiram a reestruturação de 50% da dívida grega para obter maior margem negocial. Agora, Pedro Nuno Santos, secretário de estado dos Assuntos Parlamentares, esclarece no final da sua entrevista à Rádio Renascença que não apelou “exactamente ao não pagamento, mas à utilização da dívida como instrumento negocial”. E, sabiamente, informa ainda que “se há coisa que nós aprendemos nos últimos anos com a experiência europeia é que uma estratégia de confrontação não é uma estratégia correcta”. Pois, não é de facto. Mas só ele não o tinha percebido.

O interessante nesta evolução de Pedro Nuno Santos não se encontra na compreensão lenta de uma evidência que jornalistas, economistas e políticos lhe explicaram reiteradamente nos últimos anos. Muito menos está na tentativa desengonçada de desdizer o que disse. Localiza-se, sim, no facto de Pedro Nuno Santos implicitamente reconhecer que, desde 2011, errou nas propostas, alternativas e análises à crise europeia e à situação de Portugal no programa de assistência. Que, na prática, não percebeu nada do que aconteceu ao país nos últimos anos. E que, por isso, das duas uma: ou achou que defender o que defendeu consistia na melhor estratégia para fazer oposição ao anterior governo e ganhar votos; ou foi mesmo preciso sentar-se na cadeira da secretaria de estado para, finalmente, entender. Nenhuma das opções abona a seu favor.

Acontece que Pedro Nuno Santos não está sozinho neste processo de súbito iluminamento. No governo e na “geringonça” que o apoia, vários têm acordado para a realidade um pouco mais depressa do que desejariam. A direita já não governa mas, afinal, o orçamento da cultura não aumentou, afinal as privatizações tiveram mesmo de acontecer, afinal negociar com Bruxelas provou-se mais complexo do que nos juravam, afinal o investimento na escola pública até diminuiu e, de resto, afinal até as crianças com necessidades educativas especiais estarão integradas em turmas maiores. Afinal, afinal, afinal. Só agora perceberam?

Os ‘afinais’ acumulam-se ao ritmo de uma realidade orçamental que não encaixa nas garantias de prosperidade que a esquerda anunciou e António Costa prometeu executar. Falta-nos margem orçamental, como tantos agentes políticos, económicos e jornalísticos diagnosticaram na situação financeira do país, muito antes das eleições legislativas. Mas se esse diagnóstico está hoje a firmar-se consensual nos gabinetes do governo, ele foi rejeitado ao longo de meses pelo PS, que fez campanha contra ele e reverteu reformas estruturais do período 2011-2015 com base em expectativas de desempenhos económicos muito mais optimistas – e que se têm provado erradas.

Exemplo crítico: os valores do indicador-pilar da estratégia económica do PS foram sucessivamente revistos em baixa. Em poucos meses, a estimativa do crescimento do investimento passou de 7.8% (campanha eleitoral) para 4.9% (Orçamento do Estado) e, por fim, para 0.7% (informação do Banco de Portugal). Ora, como assinala João Vieira Pereira, sem investimento não há crescimento ou emprego. A estratégia económica do Governo está, portanto, a escoar pelo cano abaixo.

Enganaram-se ou quiseram enganar-nos? Haverá opiniões para todos os gostos e sempre quem descubra uma justificação para cada erro no cenário macroeconómico e nas estimativas do governo – desde a conjuntura internacional à pesada herança do governo anterior. Mas a verdade é que, após tantos avisos em relação aos riscos envolvidos, custa engolir as explicações de um PS que prometeu “virar a página da austeridade” e que, de estimativa gorada em estimativa gorada, só produz desequilíbrio nas contas públicas. Sim, o poder tem feito muito bem à “geringonça”, que começa finalmente a identificar os seus erros recentes. Mas falta, agora, o fundamental: descobrir se, a nós, todos esses erros não sairão demasiado caro.

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