Esta é a mensagem do humorista Jon Stewart para os média a propósito desta obsessão generalizada com Donald Trump. Todos os dias, surge uma nova notícia sobre algo ridículo, chocante ou descabido que o Presidente Trump tenha dito ou feito. Esta extrema mediatização e ridicularizarão de todos os erros crassos cometidos por Donald Trump, seja de substância ou de estilo, desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, tem remetido para segundo plano o debate sobre um fenómeno, na minha opinião, bem mais preocupante: a emergência de movimentos e de líderes de opinião da extrema-direita e da direita ‘alternativa’ que têm vindo a conquistar cada vez mais espaço nos média, na sociedade e na política.

A verdade é que rivalizam cada vez mais com o mainstream e dão voz a descontentamentos e ansiedades de uma parte da população, que quer romper com o status quo. Tanto nos Estados Unidos como na Europa, os exemplos já são muitos, embora com diferenças significativas: por um lado, os que gostam de chocar como é o caso de Milo Yiannopoulos e Richard Spencer, dois jovens associados ao movimento “alt-right”, nos Estados Unidos, que, com uma retórica provocadora e algum humor, espalham as suas mensagens pelas redes sociais e em auditórios de campus universitários e, por outro, os líderes e partidos de extrema-direita na Europa que têm vindo a ganhar protagonismo, alguns constituindo já forças politicas muito significativas nos respetivos países: Nigel Farage, que liderou a campanha a favor do Brexit, a Frente Nacional de Marine Le Pen, o Partido para Liberdade liderado por Geert Wilders na Holanda, o Partido da Liberdade na Áustria, o Jobbik na Hungria, o partido Alternativa para a Alemanha, liderado por Frauke Petry, ainda muito recente mas claramente em ascensão, entre tantos outros. Também na Europa assistimos à crescente popularidade de jovens líderes emergentes acusados de normalizar ideologias radicais, de que são exemplos Marion Maréchal-Le Pen em França e Martin Sellner na Áustria, líder do Movimento Identitário Austríaco, apelidado por Right-wing Hipster.

Todos estes movimentos são diferentes entre si, não têm uma ideologia homogénea, nem se esgotam no rótulo de extrema-direita. Há importantes nuances a ter em conta sobretudo entre a velha extrema-direita Europeia e novos movimentos que vão surgindo no espectro político transatlântico, como a “alt-right” nos EUA e o movimento identitário na Europa.

Mas há mensagens comuns a todos eles: a rejeição do sistema, a oposição à imigração e ao multiculturalismo, e um combate ao que consideram como a ditadura do politicamente correto que não ousa chamar as coisas pelos nomes. Querem combater a Islamização da Europa, promover a ‘Europa para os Europeus’, defender a supremacia anglo-saxónica da América e reclamar a cultura e a identidade ocidentais, que consideram ter-se diluído no melting pot que hoje caracteriza o Mundo Ocidental. Para muitos, cansados de um sistema que sistematicamente os desiludiu, no qual já não depositam qualquer esperança, estas vozes representam uma lufada de ar fresco.

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Hoje, contrariamente há uns anos atrás, em que estes movimentos eram marginais, conhecemos as consequências deste discurso: a eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, o líder do Mundo livre. Um presidente que mostra desprezo pelos fundamentos do Estado de Direito, que põe em causa a essência do sonho americano e os pressupostos do Mundo livre.

Mas, mais importante do que reconhecer este fenómeno e diagnosticar o problema, é colocar a questão: como chegámos aqui? É fácil cair na tentação de diabolizar os Trumpters e os Brexiters, criar generalizações, comparar a elegância e sofisticação de Obama à boçalidade de Trump, ou elaborar prognósticos apocalípticos sobre o futuro que nos reserva. Manifestar choque e revolta perante o sucesso destes movimentos, é legítimo, mas de nada adianta. Não nos ajuda a compreender as raízes do problema nem a desenhar um futuro livre de ideologias radicais e movimentos perigosos. Esse discurso simplesmente perpetua o estado de negação em que vivemos até agora – precisamente um dos fatores que conduziu ao sucesso destes movimentos.

Acima de tudo mantém-nos alheios às verdadeiras motivações dos que veem nestes movimentos a única resposta às suas inquietações. É certo que há medos e angústias irracionais, ampliadas e instrumentalizadas pelos líderes populistas. Há racismo e xenofobia, machismo, intolerância e ignorância por parte de muitos apoiantes de Donald Trump e os seus equivalentes na Europa. Mas nem tudo, nem todos os fenómenos, podem ser reduzidos a medos orquestrados e exacerbados pelos populistas e ideólogos da extrema-direita. Há também receios legítimos que não têm encontrado eco e resposta no sistema e nos partidos políticos que têm vigorado.

Nos Estados Unidos, é frequente ouvir-se o discurso de que a nação está profundamente divida: as elites por um lado, o povo por outro, as costas versus o interior do país, os centros urbanos versus os rurais, democratas versus republicanos, brancos versus grupos raciais. E a lista continua. Na Europa, essa divisão entre elites e as populações é tão ou mais acentuada, mas parece estar mais ausente do debate público como se esse gap não existisse. Fala-se dos sintomas mas raramente se abordam as causas. Um dos exemplos desse fenómeno é a resposta que as elites políticas dão (ou não) à questão da integração de migrantes na Europa.

Na realidade, a Europa enfrenta dificuldades de uma dimensão muito maior do que os Estados Unidos na gestão da imigração e integração de imigrantes muçulmanos nas respetivas sociedades. Existem comunidades inteiras segregadas, as denominadas ‘no-go zones’ e sociedades paralelas, que vivem completamente desenraizadas das sociedades de acolhimento. Existe um grave problema de radicalização e recrutamento para a Jihad de jovens imigrantes nos subúrbios de várias cidades Europeias de que são exemplos as Banlieues de Paris ou o bairro de Molenbeek em Bruxelas – realidade que tem sido sistematicamente ignorada ao longo dos anos. Esta ameaça de radicalismo Islâmico na Europa não começou com o Daesh, nem com o planeamento dos atentados de Charlie Hebdo. Basta recordar os atentados de Madrid e Londres em 2004 e 2005 para já não falar de exemplos menos conhecidos como os assassinatos de Theo Van Gogh em 2004, do jovem Ilan Halimi em 2006, de crianças numa escola Judaica, em Toulouse, em 2013 e o atentado ao Museu Judaico em Bruxelas, em 2014.

Defender os direitos dos migrantes e o acolhimento de refugiados será uma tarefa muito mais difícil se paralelamente não se travar o debate público e político sobre o combate ao radicalismo Islâmico e se reconhecer a gravidade que este fenómeno representa para os Europeus. Não se trata de criar alarmismos, nem exacerbar medos, simplesmente de falar e debater sem tabus ou preconceitos uma realidade que está à vista e que inquieta muitos de nós. As causas e as motivações para o descontentamento são complexas e multidimensionais e variam de contexto para contexto. Certamente não se esgotam nos exemplos acima mencionados.

Mas precisam de ser levadas a sério e compreendidas no seu todo. Mais importante do que expor os erros de Donald Trump, é deixar de retratar a realidade como um combate ideológico entre elites ‘iluminadas’ e evoluídas por um lado e o ‘povo’ ignorante e radical por outro. Acima de tudo, devemos deixar de olhar para a eleição de Trump como a causa do problema mas sim como um sintoma de um fenómeno que persiste e que, tudo indica, continuará a crescer em ambos os lados do Atlântico se insistirmos em permanecer nas nossas ‘bolhas’ ideológicas. A alternativa está à vista e não é animadora.