Passos Coelho foi duramente criticado pela oposição enquanto se esforçava por tirar o País da agonia financeira, económica e social em que o Governo do PS o tinha mergulhado. O essencial dessas críticas era desprovido de sentido construtivo.

Na tentativa de derrubar o Governo da coligação PSD/CDS, os partidos da oposição, em particular durante o período que antecedeu as eleições legislativas de 2015, fizeram promessas miríficas e irreais que não lhes conferiram, a nenhum deles, a desejada vitória eleitoral. Depois de ganhar as eleições, que muitos julgavam estarem perdidas, Passos Coelho não pôde continuar como primeiro-ministro porque o PS, na verdade António Costa, preferiu fazer uma coligação com os comunistas do BE e do PCP. Tudo legal e parlamentarmente legítimo. Além do mais, a “jogada do Costa” ensinou-nos a considerar a opção de voto de uma forma mais cautelosa, diria, mais desconfiada. Ficámos a saber que há mesmo políticos e líderes partidários que vendem a alma, as ideias e os programas, para salvarem a sua carreira, com o requinte de se apresentarem como salvadores da “solução governativa”.

Contudo, a minha experiência profissional e de vida ensinou-me a ser cauteloso no que ao julgamento de comportamentos diz respeito e há sempre lugar a esperar o melhor nas motivações e ações de cada um. É até justo imaginar que o líder do PS tenha tido um entendimento pessoal do interesse do Estado que fosse maior do que os ganhos pessoais imediatos.

Agora líder da oposição, Passos Coelho é criticado por denunciar a incapacidade governativa da coligação de esquerda e ir alertando os portugueses para os riscos que inevitavelmente se tornarão realidades se nada for feito para alterar o rumo das políticas em curso. Para a esquerda, quando na oposição, é sempre justo o julgamento negativo de um Governo que não lhes agrade. Para Passos Coelho, a clarividência de anunciar o que está mal já será sinal de que “tem de ir a banhos”. Mas, claro está, se Passos Coelho viesse prometer o “bacalhau a pataco”, seria chamado de “aldrabão”. E se, como a esquerda deseja, desde já apenas assumisse a necessidade de reconduzir Portugal a políticas de crescimento que poderão ter de passar pela anulação da maioria dos “disparates” da “geringonça”, não faltaria quem viesse gritar, “lá vem ele empobrecer os trabalhadores” ou “acabar com o Estado Social”.

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Pois é, austeridade, daquela que nunca se tinha visto com a Troika, tem outro “sabor” quando é de esquerda. Até se lhe muda o nome para “rigor orçamental”. Mesmo quando “keynesianamente” se restringe o investimento público e se atrasam pagamentos de bens essenciais, como os medicamentos, isso é “cumprimento de metas”. Até os pagamentos dos cheques-dentista, uma criação socialista do maior mérito, já andam atrasados. Mas todos sabemos que a melhor forma de cumprir uma meta é acabar com ela.

A Passos Coelho a sensatez recomenda que tenha a sagacidade de esperar. É a António Costa que temos de exigir que nos faça progredir financeira, económica e socialmente. É a ele que temos de pedir resultados, não ao PSD a quem não deixaram governar. No entanto, de jornalistas a comentadores, de políticos a espectadores, não há quem não venha tentar inverter o ónus e obrigue Passos Coelho a continuar primeiro-ministro e, ao mesmo tempo, o acuse de não se ter libertado desse “fato”.

Discute-se, com avidez, a durabilidade política do líder da oposição, aventando prazos e calendários estapafúrdios, quando deveríamos estar bem mais atentos às manobras de António Costa para provocar eleições, enquanto tem o crédito que a propaganda lhe vai conferindo. É curioso como o sucesso de um homem, Passos Coelho, rodeado de tantas dificuldades políticas e até pessoais, vencedor em 2011 e, apesar de improvável para a “inteligência” nacional, em 2015, continua a causar tanto incómodo, bem visível até em alguns que deveríamos julgar correligionários.

Uma das virtudes da democracia é que os erros ensinam. O PS também saberá aprender com o António Costa que escolheram para os liderar. Um dia, desejavelmente depois de confirmado o falhanço total desse Costa e já com um PS renovado e reconduzido à social-democracia de matriz europeia, teremos eleições para um novo Parlamento de que deverá sair uma solução de Governo estável e consequente para Portugal.

Esse dia não pode ser quando o dr. Costa quiser, enquanto estiver refém do BE e do PCP, aproveitando a maré demagógica da suposta “devolução” de rendimentos que, afinal, os impostos vão levar. Terá de ser antes da próxima bancarrota, antes de voltarmos a estar sob a ameaça de não ter quem nos venda medicamentos ou de não ter como pagar às empresas portuguesas que vendem material para os nossos hospitais. Mas não poderá ser antes do eleitorado ter a vivência do desastre que está a ser o governo BE-PS-PCP, já que a argumentação intelectual nem sempre forma maiorias. Veja-se o Brexit.

Entretanto, compete à oposição ir denunciando, esclarecendo, perguntando, informando. Veja-se a forma responsável como PSD e CDS têm falado da questão dos incêndios e compare-se com o que foi dito por PS, BE e PCP em anos passados. Se é verdade que ao eleitorado podem interessar os discursos, como forma aproximada de conhecer ideias e propostas, o que é mesmo importante são os resultados, os que se medem por indicadores, e as perceções dos eleitores, muito difíceis de quantificar e que nem as sondagens ou estudos de opinião revelam completamente.

A opinião pública merece o respeito de ser “construída” em torno dos factos. Só assim se poderá ter um eleitorado maduro e menos vulnerável aos populismos que proliferam de forma assustadora e reminiscente dos anos europeus da ascensão dos totalitarismos.

Sem alarido, com a pressa própria de quem tem de estar sempre preparado para governar, o PSD deve ir construindo cenários e respostas para um futuro que não seja apenas de curto ou médio prazo. Devem, o PSD e o CDS, mais do que procurar afirmação isoladamente, reconstruir uma plataforma técnica e política que lhes permita despoletar uma coligação logo que esta seja necessária. A probabilidade de uma futura coligação entre BE e PS é potencialmente grande e até pode vir a ser estabelecida para uma frente eleitoral de esquerda socialista, explorando o método de eleição de deputados em vigor. De qualquer forma, com António Costa na frente, quem votar PS já sabe que também vota no Bloco.

Da preparação que tem de ser refeita há uma parte fundamental para o bem-estar das pessoas, a saúde, em lugar cimeiro, atravessando toda a Governação, em todas as políticas. Lamentavelmente, pouco se tem falado de política de saúde, o que espelha a ausência de originalidade criativa de quem vai governando essa área fundamental, uma daquelas que ganha ou perde eleições. As propostas que forem concebidas terão de estar baseadas na melhor evidencia existente, bebendo no que outros fizeram antes de nós, olhando para outros sistemas de saúde, aproveitando o que foi bem feito, com liberdade intelectual e com o fito de melhorar a qualidade da vida em Portugal.

Dois exemplos: um imposto que penaliza quem tem mais exposição solar pode ser gerador de insalubridade, tal como construir ciclovias, em particular em ruas de grande tráfego automóvel ou em cidades com sete colinas, pode não gerar mais saúde. Alguém estudou isso antes de decidir? Outro exemplo: dispensar de pagamento de taxas moderadoras quem for enviado da linha saúde 24, já que a quem vinha dos centros de saúde nunca se pedia segundo pagamento, diminuirá a procura indevida de urgências hospitalares ou aumentará os atrasos na resposta a quem precisar de cuidados emergentes? Existe algum modelo que sustente esta medida ou foi mais uma coisa para “ver se pega”?

No exercício da conceção do que deve ser a governação depois da “geringonça”, há que ser concreto, calendarizado e responsável. Não se poderão propalar soluções simplistas, nem acreditar em abordagens que não sejam sistémicas. Há que evitar a complicação desnecessária mas não vale a pena julgar que todos os problemas complexos se poderão resolver apenas e só com medidas únicas ou simples.

Veja-se a recentemente “nova” preocupação com o burnout do pessoal de saúde que nunca poderá resolvido apenas pela contratação de mais pessoas. Neste, como em outros casos, é preciso determinar a dimensão dos problemas – e até isso é impossível por estudos apenas baseados na opinião dos inquiridos –, enumerar os fatores causais e determinantes – muitas vezes variáveis consoante o cenário – e elencar um conjunto de medidas e calendário para as aplicar. O combate ao síndrome de exaustão deve ser enquadrado no conjunto mais vasto de medidas incluídas na promoção da segurança e qualidade. Exige tempo, conhecimento, determinação e aplicação de recursos, também financeiros, que o Governo anti-austeridade não tem.

A maior amargura do PSD, daquelas que só um enorme sentido de Estado e de dever Patriótico saberá superar, será voltar a governar para, mais uma vez, corrigir a demagogia insensata de quem os antecedeu no Governo. Espera-se que da próxima vez, depois de limpar a casa, haja tempo para voltar a criar instrumentos duradouros de progresso que não sejam destruídos mais tarde. Podem chamar a esses instrumentos, pactos, acordos, reformas, o que quiserem.

Desenganem-se aqueles que imaginem mais fácil um qualquer compromisso político, inter-partidário, com Passos Coelho fora do governo. Até já o chamaram de “incoligável”, mas a história diz que, por enquanto, ele é recordista na liderança de um governo de coligação em Portugal. Até me atrevo a especular, também não resisto, que não será o nosso atual governo patriótico, democrático, de esquerda, socialista e revolucionário que dará a António Costa um novo recorde nacional de duração como PM em democracia, o do Professor Cavaco Silva. Nem acredito que o dr. Costa, tal como muitos dos seus ministros, deseje prolongar muito esta “maçada”.

O Governo da esquerda não quer ter tempo. O tempo esclarece e isso ser-lhes-á fatal.

Ex-ministro da Saúde