1. Pensei que ficaria fora de pé: sábado em Lisboa, domingo em Lisboa? Há quanto tempo não me ocorriam dias de ócio longe dos meus lugares e rotinas de ócio? Mas foi assim. Fim de semana na capital. Conheci sítios, andei noutros, calcorreei ruas apinhadas de gente, calor e suor, dei-me (fisicamente!) conta do turismo e dos turistas, verdadeiramente em todo o lado, como Deus Nosso Senhor. Este verão quis subir no elevador de S. Justa com alguns netos, tempo perdido, a fila dava a volta à baixa. Outro dia quisemos mostrar-lhes paisagens, castelos e esconderijos em Sintra, missão fracassada, eu própria temo nunca mais lá conseguir entrar, há mais autocarros que ar. (Não, não sou de todo contra o turismo, pelo contrário; sou contra o caos que ele produz sempre que a “arrumação” que pressupõe e reclama é substituída pelo improviso ou o deixa andar. Justamente, como em Sintra, por exemplo.)

2. Seja como for, Lisboa. E, de repente, (estou há três meses a viver fora) não sei se por estar geograficamente mais perto das moradas dos vários “eles” supostamente encarregues dos nossos destinos políticos e outros ( e agora até das quantias que temos no bolso ou no colchão) ou por me passear a pé, no Terreiro do Paço e afins, deu-me uma melancolia. Deu. Pueril? Admito que sim, mas não a inventei: a poucos quilómetros dali, nesse mesmo dia, Sócrates, com indisfarçável alegria, fora ovacionado, acarinhado e mimado por inúmeros membros da família socialista. Retribuiria, manipulando a sala com gozo e desfaçatez, mas que importância se a sala rejubilava? Sucede porém que, dias antes, em Coimbra, numa iniciativa do mesmo Partido Socialista, não se ouvira uma voz contra a corrente Mortágua/Galamba. Já tudo pode ter sido dito sobre este ruinoso episódio (ruinoso para o presente e o futuro do PS, sim) e sobre os não menos extraordinários propósitos de António Costa, ouvidos a seguir no Parlamento, onde se misturavam sem nexo mas com dano, “decência” (?), Marx, o que ele aprendera em casa em pequeno, e um evidente aplauso ao projectado confisco aos ricos.

Por falar em “decência”, tal estado de coisas pareceu-me justamente uma indecência: de um lado da mesma família, um jubilo acéfalo diante de um politica sob pesada suspeita e diante das suas muito acordadas ambições de regresso ao palco e ao poder; do outro lado, um silêncio espessamente irresponsável face à galopada revolucionária para o abismo. Mesmo que ele demore.

Também admito que “melancolia” não seja a palavra mais adequada. Mas ainda não descobri qual a mais exacta, a certeira, para descrever um chefe de governo socialista realmente capturado por um grupo heterogéneo de gente não confiável e politicamente perigosa.

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3. O Presidente da República pode não passar de um vulgar desconhecido em Nova Iorque ou no mundo, mas em Portugal, que é onde ele quer votos, a popularidade chega-lhe e sobra-lhe. A popularidade e, como é que se diz? A “afectuosa” aceitação de que beneficia, país fora. Sabendo muito bem que nunca haverá melhor antídoto para a sua congénita insegurança do que o ser amado – e aconchegado – entre doses maciças de popularidade e “afecto”, ocupa-se, sem sombra de fadiga ou réstia de hesitação, em adubar a popularidade e tonificar o afecto. São ar que respira: o primeiro serve-lhe de barómetro: a quantos grau subiu hoje o “agrado”? E a popularidade, usa-a como termómetro: quais os valores do ar do tempo presidencial, esta semana?

Não que isto seja pecado ou sequer pouco sério, mas parece modesto como destino. Além de que a popularidade por si só, sem desígnio nem substância, jamais desafiou ninguém para grandes tarefas, nem consta que interpele pessoas, povos e multidões a ousarem os feitos que valem a pena.

Ou que substituir o critério pela hiperatividade – outro exemplo da estranheza com que politicamente olho para isto – chegue para fomentar o respeito, ou ainda que a febre da omnipresença sirva a função, engrandeça o cargo e amadureça o homem. Sorrisos de açúcar e abraços de mel disparam as sondagens mas não antecipam a certeza de firme mobilização em caso de mau tempo. Convidar para a festa em nada se confunde com a convocação para um compromisso. Infelizmente para ele em politica há um mundo de diferença entre um convite e uma convocação mas caso um dia se concretize a sua necessidade, o êxito da empreitada será no mínimo duvidoso: os afectos substituídos pela realidade? A festa estragada? A imposição de outra vida? O circo secado, como os poços sem água?

Quem sabe, diz que o Chefe de Estado é delicodoce com o Chefe do Governo (afectuoso, por outras palavras), para um dia melhor o comer, salvo seja. Ou seja, após tantos hinos alegremente cantados a meias; tantos chapéus-de-chuva abertos em comum, tantas graçolas cúmplices e tanto sorriso público, seguir-se-ia, no guião, o banquete envenenado. Como na Roma Antiga e os aperitivos podem ter sabor a vetos. Dada porém a natureza singular do personagem que neste momento está Presidente, não é possível prever ou racionalizar absolutamente nada e menos ainda de antemão. Mas cumpra-se ou não este (fantasioso?) guião, uma coisa é certa: os tempos só muito ilusoriamente parecem fáceis e leves, como tanto nos fazem crer. Alguma vez o Partido Socialista – mesmo quando por duas vezes nos pareceu à beira de todos os abismos – mudou de pele em 40 anos? Alguém se lembra de um chefe de governo politicamente capturado por umas garotas radicais e vivaças? De um Presidente que aparentemente se satisfaz e “completa” com os afectos de que é alvo, mesmo que indicie vontade de meter a marcha atrás? De contas que só acertam cá dentro mas logo desacertam lá fora? Ou de – cereja no bolo – dois partidos que á direita, estão com a tensão baixíssima (para dizer o mínimo)? Uma simultaneidade de politicas, ocorrências e lideranças pouco feliz. Também para dizer o mínimo.

4. Sim, houve o primeiro debate entre os candidatos presidenciais norte americanos e parece quase irrelevante enfatizar como aqui fiz, as penosas aventuras de Sócrates ou demasiado paroquial relembrar o resto, quando o mundo está prestes (uma proeza!) a ficar ainda mais mal entregue. Sim, de acordo, Trump é “pior”. Trará arrasadora desordem internacional e acabará com a nossa, que mal ou bem, aos solavancos e com sobressaltos, é onde vivemos. Mas o que nos convence ou tranquiliza na gelada Hillary, senão o facto, pouquíssimo despiciendo é certo, de ela não ser Trump?