O congresso dos conservadores britânicos dos últimos dias foi o primeiro pós-referendo sobre a permanência do País na União Europeia, o primeiro pós-David Cameroon, e o primeiro de Theresa May como líder do partido e primeira-ministra.

Como qualquer congresso partidário em qualquer país do Mundo (democrático ou não), o que por lá se diz e anuncia serve mais para consumo interno e para a massa de filiados que grita e aplaude, do que propriamente para consumo nacional ou sequer internacional.

Ora, este congresso foi diferente e marcou uma clara rotura com o partido liberal de Thatcher e Cameron. Eu explico.

A primeira-ministra Britânica sabia de três coisas quando chegou a Birmingham: primeiro, que não fora eleita directamente para o cargo que hoje exerce, isto é, que os eleitores Britânicos não a escolheram para Primeira Ministra, e portanto era essencial demonstrar força e determinação (sobretudo nas negociações com a União Europeia), para ganhar alguma legitimidade política e pública; segundo, sabia que tinha um partido ainda dividido depois da campanha para o referendo de Junho, e portanto tinha qualquer coisa como três dias para o unir em torno da “querida líder” (até retratos seus foram postos à venda à porta do congresso de Birmingham, qual Fidel Castro); terceiro tinha que adoptar uma postura e um discurso diferentes do de David Cameron para evitar comparações ou, no limite, ficar na sombra daquele.

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Theresa May conseguiu naqueles três dias de congresso superar todos estes desafios: mostrou ao partido que era ela, e só ela, a mulher certa no lugar certo, no momento certo; uniu o partido; e cortou totalmente com passado liberal que caracterizou os Conservadores nas últimas décadas.

Para aqueles que viam em May uma espécie de “Tatcher II”, desenganem-se, as semelhanças
ficam-se unicamente pelo facto humano de serem ambas mulheres. Em tudo o resto, isto é, no essencial, uma e outra não podiam ser mais diferentes e nalguns aspectos mesmo opostas.

May adoptou uma postura e um discurso raros de se verem na política Britânica. Expressões como “revolution”, “if you believe you are citizen of the world, you’re a citizen of nowhere” ou “social over the individual”, são autênticas palavras atómicas vindas de um partido que desde os anos de Thatcher se tinha assumido como marcadamente liberal.

May falou para a “british working class”, o seu novo target eleitoral, garantindo que o Estado e o Governo estarão lá, e ao seu lado para defenderem os seus interesses (pergunto: mas haverá alguém melhor do que o próprio indivíduo para defender os seus próprios interesses? Para Tatcher (e para mim) era claro que não, para May parece que o Estado desempenha melhor esse papel).

Mas afinal o que é isso da “british working class”? À letra parece que se dirigiu ao país inteiro uma vez que (mais ou menos) todos trabalham. Desiludam-se. O target da primeira-ministra é, como Amber Rudd, secretária do Interior do seu Governo, teve oportunidade de clarificar nas entrelinhas do seu discurso no congresso, britânicos brancos, de menores rendimentos e com menores qualificações, e que olham para os imigrantes como sanguessugas, gente dispensável e pouco recomendável, usurpadores dos recursos da “grande” Grã-Bretanha.

Onde é que já ouvimos isto? Donald Trump? Sim (mas não só).

O discurso anti-emigração é uma das novas bandeiras dos conservadores Britânicos. Cheio de preconceito, o discurso de Theresa May vende, sobretudo, entre a grande maioria dos brexiters que olham para “o estrangeiro” como um intruso que deve ser expulso da “grande” Grã-Bretanha o mais rápido possível. (Podem pensar que estou a exagerar ou mesmo a dramatizar mas não. A este propósito vejam o discurso da primeira-ministra na última Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque e chegarão às mesmas conclusões).

Um discurso perigoso, pobre e assustadoramente populista.

E não o digo simplesmente porque, como imigrante em Londres e contribuinte Inglês, me sinta um alvo fácil, digo-o porque é de tal modo inconsequente que quem o profere não tem (ou parece não ter) a menor ideia do que seria o Reino Unido e a sua economia sem imigrantes. Segundo a Oliver Wyman, a saída dos imigrantes que trabalham na City, onde portanto me incluo, custaria cerca de 5 mil milhões de libras anuais em receita fiscal não arrecadada. Será que alguém no Governo da senhora May já fez estas contas?

Numa palavra, um discurso populista que abre oficiosamente a campanha para as eleições de 2019.

Theresa May quer alargar a base de apoio eleitoral dos Tories nem que para isso se tenha que travestir de Nigel Farage e adoptar um discurso xenófobo e quase racista.

Mas Theresa May quer mais. May não só pretende chegar ao eleitorado do UKIP, como ao eleitorado do que ainda resta do New Labour e de algum Labour que olha para Corbyn com uma enorme desconfiança.

May não foi só dura com os imigrantes, mas também com a elite liberal da City (que, só por trabalhar na City foge e ou ajuda a “fugir” ao pagamento de impostos), e com todos aqueles que dispensam que o seu salário sirva para alimentar e sustentar funções públicas muitas vezes desnecessárias.

Ora, este discurso moralista de combate agressivo à evasão fiscal, este discurso “anti-City”, também vende. E May quer vender, nem que para isso tenha que trair a memória de Thatcher e o passado de Cameron.

No final do dia, para May pouco importa se se cria riqueza ou não, desde que não existam imigrantes. No final do dia, para May pouco importa se se criam empregos ou não, desde que não existam empresas que planeiem e optimizem as suas operações e os seus negócios do ponto de vista fiscal.

Depois do congresso de Birmingham, que aliás sucedeu o congresso de reeleição de Corbyn, há um vazio que nasce na política Britânica: o do centro liberal que, nas últimas décadas foi ocupado pelos conservadores. Com o Labour tomado por radicais de esquerda e com os Tories tomados por uma direita pouco recomendável, restam-nos os LibDem para devolverem o pragmatismo e o liberalismo tão necessários num mundo cada vez mais fechado e proteccionista.

Jurista, vive e trabalha em Londres