Ao contrário do que se tem lido e ouvido, o balanço político destes três anos não se limita ao escrutínio do cumprimento dos memorandos. Ou à avaliação dos efeitos positivos e negativos da implementação de tantas medidas difíceis (e inadiáveis). Não basta medir défices, taxas de desemprego ou frisar o aumento das exportações. Nenhum balanço fica completo sem lidar com a questão política que está na base de todas essas opções e consequências: teria sido possível fazer diferente? Ou, dito de outro modo, quais eram as alternativas às políticas de contenção da despesa pública, tendo em conta a imposição de cumprir o programa de ajustamento?

A resposta desagradará a muitos, mas é relativamente fácil de dar: apesar das inúmeras tentativas da esquerda, nenhuma alternativa política se afirmou. Apostar em mais investimento público, introduzir eurobonds, renegociar a dívida, sair do euro, lixar a troika, mutualizar a dívida ou optar pela insubordinação. Tudo isto se discutiu, foi alvo de debates ou motivou manifestos. E, concordando-se ou não, facto é que nenhuma destas propostas reuniu consensos, em Portugal ou na Europa. A realidade é esta: os três anos do programa de ajustamento foram três anos de ausência de alternativas políticas.

Essa ausência não foi um detalhe. Nem o é agora. Sábado, enquanto saía a troika, António José Seguro estabelecia um “contrato de confiança” como base para governar Portugal. É certo que já não há credores a respirar-nos ao pescoço, mas o Tratado Orçamental continua em vigor, as metas do défice são mesmo para cumprir, e as exigências do rigor orçamental mantêm-se. Além de que, com a saída limpa, não temos propriamente margem para erros. Então, que novo rumo pode ser esse? Seguro explicou. E a análise dos seus 80 compromissos leva-nos a três constatações.

A primeira é que, apesar de uma ou outra boa ideia (#54 – reformar o sistema eleitoral), uma grande parte destes compromissos não representa rupturas (ou sequer diferenças) face ao que o actual governo defende e implementou. É o caso óbvio do compromisso com a natalidade (#34), o combate ao abandono escolar (#35), a aposta na autonomia e na liberdade das escolas (#37), a salvaguarda da eficiência e da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (#39), a transferência de competências para os municípios (#55), o equilíbrio das contas externas (#62) ou o equilíbrio das contas públicas (#66), entre vários outros. Ou seja, muitos dos 80 compromissos socialistas têm subjacente a ideia de que o que distingue o PS dos partidos da coligação é a competência – uma espécie de “faremos o mesmo, mas bem feito”. É pouco.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A segunda constatação é que, tidos no seu conjunto, estes compromissos são factor de desequilíbrio orçamental. O PS propõe cortes nos impostos – baixar o IVA na restauração (#3); revogar a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (#29) –, compromete-se a não aplicar mais austeridade – não aumentar impostos (#27); não cortar mais rendimentos (#28); acabar com as rescisões na função pública (#30) – e avança com propostas que implicam mais despesa pública – investir mais em ciência (#7); criar uma estação oceânica internacional (#17); repor gradualmente os salários na função pública (#30); aumentar o salário mínimo e pensões mais baixas (#33).

Como pretende o PS conciliar tudo isto com o Tratado Orçamental? A resposta não está no documento, mas na entrevista de António José Seguro ao Expresso (2014.05.10), eis o que retorquiu quando a questão lhe foi colocada: “pondo o país a crescer mais do que as previsões”. A resposta é má porque implica, na prática, o reconhecimento da insustentabilidade das suas propostas. É que, partindo do pressuposto que as previsões económicas do Governo e das várias organizações internacionais são sólidas, o cumprimento das promessas de Seguro depende de um cenário económico improvável. O que equivale a dizer que também é improvável o cumprimento dessas promessas.

Isto leva-nos à última constatação: não há no documento uma única ideia para a reforma do Estado. É como se a sustentabilidade da Segurança Social não fosse um dos maiores desafios que temos pela frente. Ou como se o peso do Estado não tivesse de ser reduzido. Depois do que passámos nos últimos três anos, em resultado do vício do endividamento e do investimento público, não deixa de ser notável observar que o PS foi incapaz de virar a agulha.

É, pois, aqui que nos encontramos e é, pelos vistos, isto que o futuro nos reserva. Para quem achou que alguma coisa mudaria após o 17 de Maio, os esclarecimentos estão feitos. Nem o Governo vai relaxar no rigor orçamental, nem a oposição se assumirá como alternativa credível, face à situação do país e à necessidade de cumprir o Tratado Orçamental. O futuro não é brilhante: com Seguro a primeiro-ministro, o pós-troika tem tudo para ser um pré-troika.