A vida é um jogo, diz-se desportivamente. Se fosse, conhecendo as regras, saberíamos sempre que tipo de coisas podem acontecer. Conhecendo as regras da batalha naval, sabemos que ninguém vai dizer ‘passo’, ou desatar a correr. A batalha naval é um jogo, mas a nossa vida, a que com generosidade chamamos a vida, não é um jogo. Não podemos consultar as regras antes de começar a jogar; e aliás não temos vida antes de começar a jogar.

A ideia de jogo só é útil para perceber o que já aconteceu. Não nos ajuda a perceber o que pode acontecer. Tirando os cartomantes, ninguém sabe muito bem aquilo que lhe vai acontecer. Imagine-se a batalha de Actium (para os leitores do Público que possam estar a ler este artigo, uma batalha naval entre o futuro imperador Augusto e o casal Cleópatra). As pessoas tendem a confundir a ideia, razoável, de que descrever a batalha de Actium como um jogo de batalha naval ajuda a perceber a batalha de Actium com a ideia, errada, de que tudo neste mundo tem a forma de um jogo de batalha naval. Esta ideia é prima da ideia de que a vida é um jogo.

Quando se descreve como um jogo coisas que aconteceram, pode importar que jogo se escolhe para descrever essas coisas. Não é prometedor ver uma batalha naval como um jogo de hóquei em campo (e aliás não é prometedor ver um jogo de hóquei em campo). Apesar de o xadrez ser muito usado para batalhas terrestres, a maior parte das pessoas, sem surpresa, vê as batalhas navais como um jogo de batalha naval.

E mesmo assim importa a variedade de batalha naval que se considera. Muita gente considera o método mais simples: um dos jogadores anuncia um tiro; o outro confere os efeitos e anuncia a consequência. Neste método de batalha naval as outras pessoas respondem a um tiro de cada vez, e por ordem; e não podem mentir. O método não consegue explicar bem a batalha de Actium nem aliás coisa nenhuma. Só atrai aqueles que que acham que o mundo tem a obrigação de responder por ordem e com verdade às suas perguntas.

Uma minoria usa um segundo método de batalha naval: um dos jogadores anuncia três tiros; o outro confere também os efeitos mas anuncia as consequências por uma ordem qualquer. Embora também não possa mentir, nunca sugere correlações. Este método consegue pelo menos dar ideia da confusão de uma batalha naval, embora também dê a ideia, exagerada, de que numa batalha o raciocínio pode eliminar a confusão.

As comparações que escolhemos para perceber as coisas podem ser de grande ajuda. Embora para explicar o mundo seja melhor não imaginar nenhum jogo, se insistirmos em imaginar um jogo o método dos três tiros é apesar de tudo preferível.

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