Não sei qual dos dois candidatos os americanos vão escolher, mas seja qual for, vão escolher um mau candidato, que será um mau presidente. Donald Trump é pior do que Hillary Clinton? Talvez, mas não nos deixemos ofuscar pelas lendas que fazem de Trump um intruso, a tentar subverter de fora o regime americano. Porque se o milionário, estrela de televisão e antigo anfitrião dos Clinton representa alguma coisa, são tendências há muito manifestas num sistema de que também ele faz parte.

Trump é quase tudo o que dizem dele. Mas não está sozinho. Trump parece excepcionalmente incivil, mas só até vermos a ousadia com que a imprensa dita “séria” se permite escrever sobre ele. Trump divide os americanos, mas Clinton faz o quê, quando, com uma velha sobranceria oligárquica, classifica as plebes que não votam nela como “deploráveis”? Trump é paranóico, mas a campanha de Clinton não hesitou em insinuar que o FBI conspirava contra ela. A indulgência com que Trump trata Putin é chocante, mas só se nos esquecermos que Obama começou com uma complacência igual. Trump é proteccionista, mas já também Clinton renega os tratados de comércio. Trump é autoritário, mas poucos presidentes abusaram tanto das “ordens executivas” como Obama. Trump não é apenas um populista: é um espelho do sistema, mais do que ele próprio ou os seus inimigos gostariam de admitir.

Na política interna, Trump e Clinton concordam em muita coisa, a começar pelas políticas sociais e pela intervenção do Estado na economia. É nos negócios estrangeiros, que Trump parece destoar, com o muro contra o México, a ameaça de guerra alfandegária com a China, e o desinteresse pela NATO. Dir-se-ia que Trump acredita que a prosperidade nacional dos EUA pode ser separada da ordem mundial que os EUA fundaram através de alianças militares e acordos de comércio. Na Europa, já se chora a perda do guarda-chuva americano, se Trump ganhar.

Acontece que, mais uma vez, Trump não está a romper com uma tradição, mas a reforçar uma tendência. Afinal, foi Barack Obama quem deixou Putin à solta na Ucrânia e na Síria, a Turquia em deriva neo-otomana, e a China a plantar bandeiras nos mares do sul. E foi também Obama quem denunciou os aliados dos EUA como “free riders”. A tentação isolacionista americana não começou com Trump. Já em 2000, Al Gore acusava George W. Bush de “isolacionismo”. O 11 de Setembro arrastou Bush para fora da América. Mas em 2008, Bush abandonou a Geórgia a Putin, apesar de a Geórgia estar a combater ao lado dos americanos no Iraque.

O problema não está só em Trump. Foi a elite americana que perdeu a sua velha crença num destino mundial. Os EUA têm uma população a envelhecer, que exige cada vez mais do Estado. A sua economia é ainda uma das mais prósperas do mundo, mas já não cresce como no passado e está carregada com uma dívida maior do que a que existia antes de 2008. Estes não são os EUA de 1960, de Kennedy e de Johnson, decididos a combater o comunismo e a pobreza no mundo.

Talvez o mundo precise de um grande presidente americano. Mas se não o teve em Obama, também não o terá desta vez. A polarização da opinião americana, conjugada com a divisão constitucional dos poderes, limitaria o alcance de qualquer presidência. O cadastro dos candidatos – e haverá mais investigações sobre a falta de transparência e o enriquecimento dos Clinton – é tão temível, que muito provavelmente o mundo não será a sua maior preocupação. Para já, ainda ninguém foi eleito, e a conversa política é já toda sobre o “impeachment” do próximo presidente, Clinton ou Trump. Nestas eleições, parece que os americanos, à direita ou à esquerda, não esperam escolher mais do que um mal menor. Mas um mal menor é ainda um mal. E mais tarde ou mais cedo, é isso que os americanos — e o mundo — vão descobrir.

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