Uma semana depois das eleições americanas, a incredulidade começou a dar lugar a uma pergunta. O que quer dizer realmente uma nova era Trump? A campanha do agora Presidente eleito foi singularmente pobre em medidas de política efetiva pelo que qualquer análise sobre qualquer área de intervenção do Governo Federal é pouco mais do que especulativa. Ainda assim, na área da economia, sem ousar fazer grandes previsões, é possível discernir algumas tendências claras no discurso do futuro Presidente dos Estados Unidos, que são contraditórias nas suas potenciais consequências: uma alteração da natureza dos estímulos à economia, menos regulação e mais protecionismo.

Novo mix de estímulos

Numa perspetiva mais amiga do crescimento, Trump referiu durante a campanha a necessidade de reduzir a regulação e os impostos sobre as empresas e as famílias e aumentar o estímulo à economia, através de um programa de obras públicas. Ao mesmo tempo foi muito crítico da política expansionista da Reserva Federal, prometendo substituir a Governadora da Reserva Federal Janet Yellen. A ideia que transparece deste primeiro grupo de medidas é uma possível alteração das políticas de estímulos à economia americana, a favor de uma política orçamental mais expansionista e de uma política monetária menos expansionista do que é o caso atualmente. Num ambiente com regulação mais ligeira, não é de excluir que o impacto na economia seja efetivamente positivo, dependendo do grau de substituição de uma política por outra e das áreas de intervenção da política orçamental.

Mas esta visão não deixa de colocar problemas no que diz respeito à eficiência económica. Desde já porque a taxa de desemprego está em níveis relativamente reduzidos, abaixo de 5%, pelo que uma política fiscal expansionista associada a um controle mais musculado da imigração pode resultar num aumento demasiado rápido da inflação. É certo também que existe aqui uma válvula de escape já que a taxa de participação se encontra estável e relativamente baixa a rondar os 63% da população ativa, ou seja 3 pontos abaixo da taxa antes da crise financeira.

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Outra questão prende-se com a incidência dessa política expansionista: uma política mais concentrada no investimento em construção, que parece ser a preferência do Presidente eleito, não tem o mesmo efeito reprodutivo na economia e no crescimento da produtividade do que o investimento em equipamento, por exemplo.

Para além do mais, ainda que possam vir a ter um efeito económico líquido positivo, estas propostas esbarram contra uma série de problemas institucionais que serão difíceis de ultrapassar. Primeiro uma política de expansão fiscal através de mais investimento público não casa muito bem com a visão Republicana de um Estado mais pequeno e pode esbarrar com a necessidade de aprovar um aumento do limite ao endividamento no início de 2017.

Em segundo lugar, a redução da regulação tem de ser analisada cuidadosamente, em particular no setor financeiro, onde a existência de bancos que são demasiado grandes para falir obriga a uma regulação mais intrusiva (nos Estado Unidos essa regulação enquadra-se no Dodd-Frank Act).

Por outro lado, a política de redução da regulação entra em contradição com a mensagem que o Presidente Trump foi transmitindo ao longo da campanha de um maior esforço para combater a concentração em certos mercados.

Finalmente, o Presidente tem pouca, se alguma, influência sobre a política monetária. A independência do Banco Central não lhe permite despedir Janet Yellen antes do final do mandato. A única maneira de poder ter uma palavra sobre a política monetária seria modular ou mesmo acabar com a independência do Banco Central. Embora isso seja possível, o impacto sobre os mercados financeiros seria provavelmente demasiado arriscado para valer a pena a mudança.

Mais protecionismo

Mais preocupante para o crescimento futuro nos Estados Unidos e para o crescimento mundial é o conjunto de medidas protecionistas que foram sendo anunciadas durante a campanha. Relativamente aos países vizinhos, Trump apresenta uma política mais vigorosa contra os imigrantes ilegais, já depois de eleito referiu que conta deportar dois a três milhões, e a construção de um muro na fronteira com o México, onde por sinal existem atualmente muitos quilómetros de vedação. Questionou também a utilidade da parceria comercial existente entre os Estados unidos, o Canadá e o México (NAFTA) que tem sido comprovadamente benéfica para os Estados Unidos.

No que diz respeito aos países mais afastados, Trump mostrou-se pouco favorável às parcerias comerciais que estão a ser negociadas com a Europa (TTIP) e a Ásia (TPP) e da parceria existente com o Canadá e o México (NAFTA). A TPP deveria ser trazida ao Congresso para aprovação, mas é improvável que o seja nos próximos meses. Já nas negociações relativas ao TTIP, é mais provável que o processo seja adiado sem prazo previsto para ser retomado.

Esta é porventura a área de maior preocupação no que diz respeito ao crescimento futuro nos Estados Unidos e no mundo. Foi o desenvolvimento do comércio mundial e a diminuição das barreiras que permitiu, nas últimas décadas e apesar da crise financeira, o desenvolvimento de várias economias emergentes e a redução da pobreza mundial. Segundo o mais recente relatório do Banco Mundial, a taxa de população que vive em pobreza extrema, isto é, com menos de 1,9$ por dia, diminuiu de mais de 40% em 1981 para 11% em 2013.

Esta melhoria nas condições de vida das populações é notável. No entanto, é indubitável que em algumas regiões dos países avançados uma parte da população ficou a perder com a globalização, porque, nesses casos a perda de rendimentos sobrepôs-se aos ganhos em termos de preços dos bens e serviços. Nos Estados Unidos, a desigualdade de rendimentos entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres aumentou nos últimos dez anos, bem como a disparidade de rendimentos entre os 10% mais ricos e a os 40% mais pobres (que inclui uma parte da classe média). A promessa implícita do próximo Presidente é que travaria esse processo de globalização, o que é impossível.

Mais importante do que travar este processo, que seria até indesejável do ponto de vista do crescimento mundial, seria apoiar as famílias e as regiões que mais perdem, com medidas estruturantes que melhorem a sua competitividade mundial, mas sobre essas matérias o Presidente Trump tem pouco a dizer.

Uma política protecionista por parte dos Estados Unidos apresenta dois cenários possíveis. Um, mais benigno, em que o resto do mundo continua o processo gradual de liberalização do comércio mundial. Por exemplo, no TPP, os países do Pacífico poderão considerar avançar com a parceria mesmo sem os Estados unidos. Esse cenário implicaria uma diminuição da relativa importância dos Estados Unidos mas permitiria que os ganhos do comércio internacional continuassem a tirar pessoas da pobreza extrema. Nos países avançados, seria importante assegurar que as populações menos preparadas para competir globalmente fossem efetivamente apoiadas.

Outro, menos benigno, que conduziria a um aumento do protecionismo a nível global, o que provavelmente voltaria a lançar milhões de pessoas na pobreza extrema, sobretudo nos países emergentes. Os países avançados perderiam também neste cenário, através de um aumento dos preços de vários bens e serviços, sem evidência que as populações que agora se opõem à globalização pudessem beneficiar do facto se ela ser travada. O ressurgimento de um nacionalismo mais intenso em vários países avançados sugere que esta possibilidade é muito real. Infelizmente ficaríamos todos a perder com ela.

Incerteza

As dúvidas sobre o impacto destas eleições são muito grandes. Neste momento, o que parece certo, é que a mudança de política levada a cabo pelo Presidente pode ser bastante mais radical do que qualquer mudança de administração desde o Presidente Reagan. Por este motivo, os riscos para o futuro da economia mundial são também maiores.

Depois do choque inicial, os mercados reagiram positivamente à eleição, com subidas expressivas do mercado de ações e um aumento das taxas de rendimento da dívida pública, não só nos Estados Unidos como no resto do mundo. Mas, sem mais certezas sobre a nova administração americana e tendo apenas a certeza que existem riscos significativos para os Estados Unidos, a América do Norte e o resto do mundo, a reação dos mercados parece otimista.

Economista, deputada do PSD