Portugal está cheio de turistas. Os números não enganam. E os de 2014, tudo indica, serão os melhores de sempre. Foi nessa onda de sucesso que os tuk-tuks entraram de rompante na cidade de Lisboa. De tal modo que fazem, hoje, inevitavelmente parte da paisagem turística da capital. Isso é bom? Seria de esperar que sim, mas parece que não. Pelo que se lê nos jornais, o tuk-tuk é uma epidemia – diz-se que são demasiados, que são ruidosos, que são poluentes, e que os residentes das zonas antigas de Lisboa se queixam desta nova presença nas suas vidas. O presidente da Junta de Santa Maria Maior (zona histórica de Lisboa) lamenta que a actividade esteja “completamente desregulada” e que, aparentemente, haja tuk-tuks “a mais”. E os taxistas lamentam o que consideram ser “concorrência desleal” e exigem regulamentação, precisamente para limitar o número de tuk-tuks nas ruas. No meio de tanto lamento, só não se diz o mais importante: os turistas gostam. Estamos, pois, perante um caso de sucesso empresarial e, também, um excelente exemplo de governação.

Um sucesso empresarial porque, manifestamente, o serviço dos tuk-tuks satisfaz uma necessidade dos turistas que visitam Lisboa e Porto. Aliás, é isso que explica que vários empresários tenham decidido investir neste serviço – havia procura, mas não havia oferta. Agora já há. E mesmo que alguns a considerem excessiva, a verdade é que parece haver mercado para todos.

É também um exemplo de governação porque se aplicou aquilo que, tantas vezes, as empresas pedem ao Estado: que saia da frente, que não atrapalhe, que deixe a economia funcionar. Assim, para operar, uma empresa não tem de estar licenciada, bastando-lhe uma comunicação prévia com inscrição no Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística e a contratação dos seguros obrigatórios. Não há regulamentação, não há taxas, não há quotas. É simples. E, pelos vistos, é eficaz. Queriam o turismo a ser um dos motores da economia portuguesa? Aqui está ele.

Só que, afinal, não queriam. Pelo menos, não desta forma. E, por isso, neste nosso país que vive à sombra do Estado, este sucesso empresarial e político não foi bem recebido. É demasiado liberal. Falta-lhe Estado. E se para bom entendedor meia palavra basta, são explícitas as movimentações para repor a ordem natural das coisas – à força bruta ou pela força da lei.

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Ouvidos os taxistas, as queixas abundam. E as ameaças também: de acordo com alguns, a situação resolve-se pelo fogo ou atirando-se os tuk-tuks ao rio (cf. reportagem no Observador). De resto, o problema é simples: a presença dos tuk-tuks teve como efeito nos táxis a “redução da sua rentabilidade” – ou seja, o problema é a concorrência. Felizmente para os taxistas, o assunto já está a ser analisado pela Câmara Municipal de Lisboa, que promete “uma proposta de regulamento, que deverá ir a reunião de câmara, ter debate público e posterior aprovação pela assembleia municipal” (cf. notícia no jornal Público). Mais cedo ou mais tarde, a regulamentação virá. E os ingredientes que tornaram esta e outras apostas turísticas tão bem-sucedidas serão, por fim, engolidos pelo Estado.

A história em si não tem nada de surpreendente. A incapacidade de adaptação aos tempos, a inveja pelo sucesso dos outros, a obsessão pelo proteccionismo, a exigência que o Estado esteja sempre lá para decidir, regulamentar e, sobretudo, preservar a rentabilidade de sectores empresariais que deixaram de ser rentáveis. Tudo isso é Portugal. E é, aliás, por essa razão que este caso é tão interessante – porque ultrapassa a luta específica de um sector e representa, na verdade, o confronto entre a concretização da mudança e o país que somos. Um país que pede essa mudança mas que não gosta quando ela acontece. Um país que se orgulha de ser um destino turístico de excelência, mas que vê o sucesso das empresas do sector como uma ameaça. Um país que quer ser mais livre e próspero mas que não consegue ultrapassar a sua dependência do Estado.

No fundo, é isto: um país que não aprende com os seus erros e onde os bons exemplos de sucesso e de governação parecem nunca ser suficientes para impor a mudança. Um país onde o socialismo parece vencer sempre.