Em situações normais, as eleições parlamentares podem contribuir para a solução de muitos problemas, mas no caso da Ucrânia elas estão longe de significar o fim da instabilidade política num país dilacerado pela guerra.

No próximo domingo, os eleitores ucranianos, ou mais precisamente aqueles que vivem no território controlado pelas autoridades de Kiev, irão eleger 450 deputados da Rada Suprema. Segundo as sondagens, o bloco do Presidente Poroshenko deverá ser o vencedor, mas sem maioria absoluta, o que o obrigará a uma coligação com o actual primeiro-ministro Arseny Yatseniuk e o presidente do Parlamento, Alexandre Turchinov, para ter o apoio da maioria dos deputados.

Sem uma maioria forte e consolidada, os dirigentes de Kiev não conseguirão solucionar os graves problemas do país, arriscando-se a ver o seu país fragmentar-se ainda mais. A Ucrânia precisa de realizar profundas reformas económicas, sociais e políticas, ao mesmo tempo que necessita de canalizar enormes meios militares e humanos para o sudeste do país a fim de travar o separatismo pró-russo.

Não sei se foi a melhor ideia começar a reforma da máquina de estado através da lei da “lustração”, que visa afastar de cargos públicos pessoas que ocuparam cargos de relevo durante o regime do ex-presidente Victor Ianukovitch ou no Partido Comunista da União Soviética ou ainda no KGB (polícia política soviética). Segundo Arseny Yatseniuk, esta lei pode afetar cerca de um milhão de pessoas.

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Segundo os mentores e defensores da lei, esta visa travar a corrupção e permitir a entrada de “sangue novo” nas estruturas de Estado, mas os seus custos sociais poderão ser grandes e os resultados duvidosos, como tantas vezes aconteceu em relação a outras leis aprovadas na Ucrânia.

As autoridades ucranianas vão ter de provar que não irão deixar os seus cidadãos morrer de frio por falta de gás ou carvão para o aquecimento das casas. Daqui que seja necessário resolver as contas do gás com a Rússia o mais rapidamente possível e, como é sabido, Kiev não tem 4 a 5 mil milhões de dólares para pagar as suas dívidas.

Aqui, tal como noutros sectores, a Ucrânia só poderá sair da crise se contar com o apoio real da União Europeia. Bruxelas apoia moralmente as transformações políticas, mas chegou a hora de passos concretos reais. Se os membros da UE não compreenderem rapidamente isso, a Ucrânia cairá mesmo na zona de influência russa e, desta vez, por muito tempo.

Embora o Kremlin não se canse de afirmar que defende a “estabilização da situação” na Ucrânia, na realidade espera que as autoridades de Kiev não consigam resolver os problemas do país e sejam substituídas por forças mais obedientes a Moscovo. A Ucrânia já perdeu a Crimeia e parte do sudeste do país, mas o “bichinho” do separatismo irá avançar caso a situação no país não estabilize.

Andrei Ilarionov, antigo conselheiro de Vladimir Putin para assuntos económicos, considera que “os oito meses da agressão putinista mostraram que a UE e os Estados Unidos não são rapazes de repelir as ambições do Kremlin”. E deixa um aviso: “os dois anos seguintes, principalmente o Inverno e o fim do ano seguinte serão os mais perigosos. Porque, então, serão mobilizados todos os recursos possíveis e impossíveis para pôr fim ao programa de desintegração da Ucrânia soberana e independente”.

Depois, certamente que o Kremlin não se ficará por aí, como não se ficou pela conquista da Abkházia e Ossétia do Sul em 2008. Até porque já começou na Rússia uma intensa campanha de propaganda com vista a convencer a opinião pública de que não há alternativa ao Presidente Putin nas presidenciais de 2018.