Escrevi diversas vezes que que a estimativa de crescimento do Ministério das Finanças era irrealista, mesmo depois de ter sido revista em Outubro para 1,2%. Ora, o PIB do terceiro trimestre de 2016 não me deu razão. Claro que, mesmo assim, não chega para atingir o valor que o governo estimava anteriormente: 1.8%. Mas, para isso acontecer, tinha mesmo de acontecer o impossível, ainda mais improvável do que o golo do Eder contra a França.

Mas começando pelos números: confirmou-se o forte (e surpreendente) crescimento de 0,8% em cadeia. A procura interna a caiu 0,4%: o consumo privado cresceu 0,2% e, mais uma vez, o investimento contraiu, desta vez, mais 3,9%. Já o contributo das exportações liquidas mais do que compensou esta queda. As exportações subiram 2,5% e as importações caíram 0,4%, devido principalmente à contração do investimento.

Mas o PIB cresceu mesmo os 0,8% ou o crescimento deve-se só a factores irrepetíveis? Muito se tem falado do impacto nas exportações de alguns factores: a venda dos aviões F16 à Roménia, a reabertura da refinaria de Sines ou até, mesmo, da Autoeuropa. Ora, relativamente aos dois últimos factores, mesmo que tenham pesado no terceiro trimestre, terão também tido um impacto (negativo) no segundo, por isso a tendência será sempre positiva. No entanto, pelo menos quanto à Autoeuropa, isto poderá implicar uma queda no último trimestre. Quanto à venda dos aviões, segundo o INE, o impacto no PIB é praticamente nulo, já que embora empolem as exportações, também têm de ser subtraídos às importações. Excluindo a venda dos F16, as exportações teriam crescido “apenas” 2,1%, e o investimento teria caído 3,1%. Ou seja, a mesma mensagem: menos procura interna (investimento) e mais exportações.

2016 vai ficar perto do esperado pelo Governo… mas longe do planeado até Outubro

Com este trimestre, e tendo em conta os indicadores avançados já disponíveis para o quarto, que apontam para um crescimento à volta dos 0,2% em cadeia, tudo indica que o PIB cresça 1,2% este ano – o mesmo valor incorporado no Orçamento do Estado em Outubro. Mas, mesmo assim, desacelerando face a 2015 e bem abaixo dos 1,8% inicialmente esperados pelo governo.

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Os riscos no último trimestre são globalmente equilibrados, pela positiva: a recuperação de rendimentos de funcionários públicos e pensionistas deverá ajudar o consumo ( tal com os dados de confiança têm confirmado), a realização da Websumitt em Lisboa deve contribuir para mais um bom trimestre para o turismo. Pela negativa: antes demais, numa pequena economia como a portuguesa, é natural que depois de um crescimento tão forte possa haver uma “compensação” no último trimestre. Principalmente tendo em conta os factores extraordinários que ajudaram as exportações no terceiro trimestre e também o facto variação de existências (stocks) contribuir já pela terceira vez consecutiva para o crescimento – tipicamente quando isto verifica, tendem a corrigir no trimestre ou dois trimestres seguintes.

De qualquer forma, mesmo com estes riscos, a tendência da segunda metade do ano será sempre mais forte do que a da primeira metade.

E daqui para a frente: como vai ser 2017?

Antes demais, este final de ano com as surpresas no crescimento traz boas noticias para o ano de 2017. Depois, os últimos comentários da Comissão Europeia, sugerem que a atitude face a política orçamental está de certa forma a mudar, pelo que as exportações portuguesas deverão beneficiar, já que a procura externa deverá subir, acompanhando a recuperação da procura interna na zona euro – não será o caso de Espanha mas pelo menos de outros países como a França, Alemanha e Holanda. Quanto à procura interna, tudo dependerá do investimento. O consumo até poderá ter margem para surpreender pela positiva tendo e conta o que tem vindo a fazer o mercado de trabalho já este ano, ao que acresce a redução do IRS e o impacto que terá não só no rendimento disponível mas também nas expectativas dos consumidores. Quanto ao investimento, as perspetivas continuam pouco positivas já que a incerteza ainda se mantém, se bem que cada vez mais por motivos externos do que internos. No entanto, as alterações fiscais no OE para 2017 também não ajudam… antes pelo contrário.

E o maior risco para o próximo ano vem, de facto, de fora. Primeiro devido ao risco político com o referendo Italiano, eleições na França, Holanda…e até na Alemanha no final do ano. Mas o principal problema vem da subida das yields (devido à subida generalizada em todos os mercados mas também devido a fatores exclusivamente portugueses) que compromete não só o estado as também o financiamento dos bancos e indiretamente do resto da economia.

Pode então o governo dizer que, se 2017 correr mal, isso só se irá dever a fatores externos? Longe disso…. Outros países da zona euro estão, também, sujeitos à mesma incerteza e não tiveram uma subida tão acentuada dos juros.

Mesmo com um crescimento tão alto no terceiro trimestre, com a aprovação do OE por parte da comissão e sem o downgrade ou descida de outlook por parte da DBRS, o mercado continua a não confiar na receita da geringonça. Todas as reversões que tem sido feitas e, principalmente medidas como a descida do IVA da restauração, aumentos do ordenado mínimo sem ter em conta a produtividade e o aumento de dias de férias e de feriados, não ajudam à competitividade nem à captação de investimento externo.

Em suma, o terceiro trimestre correu bem, o final de 2016 também não irá correr mal. Mas, depois das medidas do último ano, Portugal está ainda mais exposto a choques externos. Se o “mundo mudar” e as yields subirem ainda mais, mais uma vez, a “culpa” não será só da conjuntura externa.