Até para os padrões vertiginosos das redes sociais, aconteceram demasiadas coisas nas últimas 24 horas, futebolisticamente falando: em New Jersey, Lionel Messi mandou um penalty para as couves e disse adeus à selecção argentina, o Chile ganhou pela segunda vez a Copa América quando em 98 anos de história da competição não ganhara nenhuma, a Espanha despediu-se do último anel que lhe restava, a Itália demonstrou que ter um plano não é a mesma coisa que jogar feio e a Inglaterra, pela enésima vez, conseguiu elevar o ridículo a patamares épicos.

Fiquemos pelo fim. Quando, aos quatro minutos de jogo, Wayne Rooney converteu a grande penalidade, pensei que estava tudo resolvido, que a Islândia não teria plano B e que a Inglaterra, impulsionada por um golo logo no início, iria finalmente ter a paz de espírito necessária para exibir o seu poderoso arsenal teórico. Enganei-me redondamente. Ao fim de anos a assistir às mais requintadas formas de suicídio futebolístico de que uma selecção é capaz ainda mantenho uma crença ingénua e distorcida nas capacidades dos ingleses. Qualquer que seja a minha opinião sobre os jogadores e treinadores, que é invariavelmente negativa, julgo sempre que é desta que eles vão chegar longe, que vão repetir a façanha de 66, que vão vingar as lágrimas de Gascoigne, de Neville, de Southgate, de David Seaman, de Michael Owen, de David Beckham… enfim, a história de Inglaterra é um rio de lágrimas que, de dois em dois anos, ganha novos afluentes.

Desiludem-me sempre e nunca me desiludem pois conseguem sempre superar-se em originalidade nas suas catástrofes particulares. De frangos dos guarda-redes a erros de arbitragem, de penaltis falhados a opções técnicas heterodoxas, contra equipas fortíssimas, contra equipas assim-assim ou contra as islândias desta vida (um segundinho para dizer que, com o Leicester a ganhar a Premier League, já tivemos o conto de fadas do ano, já chorámos tudo o que havia para chorar por desgraçadinhos equipados de azul que vencem contra todas as probabilidades), a Inglaterra, agora que vai sair da UE, podia dedicar-se a exportar este tipo de acidentes que, como todos os acidentes, garantem audiências.

Então, dois minutos depois do golo de Rooney – esse mistério cósmico-mediático que deve ter feito a melhor exibição da carreira há mais de uma década – os islandeses empataram na sequência de um lançamento lateral à Maxi Pereira, uma jogada típica de quem está habituado a lançar bacalhaus a grande distância e para a qual, de acordo com Roy Hodgson, os ingleses estavam preparadíssimos. E estavam. Aliás, a defesa inglesa assistiu ao lance como se o estivesse a ver na televisão, só faltou que um central se virasse para o banco e dissesse: “Mister, tinha razão. Isto é mesmo como no vídeo que vimos duzentas vezes”. Aos dezoito minutos, os jogadores ingleses deram ao mundo uma lição de desportivismo e imobilidade, deixando que os islandeses trocassem comodamente a bola em frente da grande área. O remate de Sigthorsson saiu frouxo, mas o benemérito Joe Hart quis alegrar um povo tão simpático e, com um despojamento franciscano, deu mais um frango. A partir daí foi o confronto engasgado entre uma equipa com muito coração e outra sem cabeça nenhuma.

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Resumindo: a) aos quatro minutos o jogo não estava resolvido, b) a Islândia tinha um plano B, c) os ingleses não sabem o que é um plano. Como não aprendo nada, leio jornais ingleses e vejo Premier League a mais, daqui a dois anos estarei convicto de uma vitória inglesa no Mundial.

Já agora

Contra a squadra azzurra, os espanhóis pareciam uma daquelas bandas que se reúnem para uma última tournée com a intenção de ganhar uns trocos parasitando a nostalgia dos adeptos. Tocaram os velhos êxitos sem energia (até a pedir amarelos para os adversários Busquets esteve irreconhecível), falharam notas (no final da primeira parte tinham feito menos passes que os italianos), o vocalista ficou afónico (pela primeira vez na vida, Iniesta jogou de acordo com a cara que tem) e só o baterista, escondido lá atrás, evitava a derrocada (De Gea fez algumas defesas espantosas). Durante um curto período, tiveram um pequeno assomo de orgulho que, no final, lhes valeu o aplauso dos fãs em nome dos velhos tempos. Indiferentes ao festival de revivalismo e revelando uma enorme falta de respeito pelos senadores espanhóis, os italianos defenderam como italianos e atacaram como índios. Já na segunda parte, Éder passou por Piqué a uma tal velocidade que quando chegou à bola o central espanhol ainda não conhecia Shakira. Buffon fez duas defesas de “elevado grau de dificuldade”, sorriu e, quando o jogo acabou, cumprimentou os adversários com aquela elegância irretocável de espadachim.