Estou a chegar à conclusão de que não demorará muito até que artistas plásticos, ilustradores, designers de outras coisas que não carros ou telemóveis, fotógrafos, músicos, e escritores de todas as espécies — enfim, chamemos-lhes os “criativos” — deixem de conseguir ganhar a vida. Todo o “conteúdo” que o mundo vê, ouve, lê será criado pelos poucos que tenham a sorte de serem sustentados por outros, ou pelos que conseguirem, de modo extraordinário, manter a criatividade depois de um dia num emprego que nada tenha de criativo. Talvez exista uma elite minúscula de mega-estrelas mundiais que, graças à viralidade da internet ou ao volume de vendas mundiais, possa ganhar a vida. Não quero dizer enriquecer, só ganhar a vida.

Como sempre, a internet tem a culpa, e embora eu gostasse de ver as coisas de outra maneira, não consigo. É verdade: a tecnologia e a internet têm sido uma grande ajuda para toda a gente de arte, tornando mais fácil a criação e a entrega de “conteúdos”. Ainda me lembro do dia em que enviei a primeira peça através de email. Tinha acabado o tempo em que era preciso enviar os trabalhos por correio registado e rezar para que chegassem bem. Hoje, envia-se o trabalho por email, e se houver emendas a fazer, basta um telefonema (“pode ser mais azul/mais nítido/maior?”) e, em minutos, as emendas estão feitas, e o trabalho segue de novo por email.

Outro resultado da nova tecnologia é que é muito mais fácil para os “criativos” apresentarem-se, e ao seu trabalho. Já não é preciso arrastar o portfolio pelas ruas da cidade, a bater às portas. A internet também desenvolveu procura para os media durante 24 horas por dia, o que exige um fluxo constante de novas palavras e de novas imagens. Muita gente acha que, já que há muito mais trabalho para fazer, os criativos devem estar muito bem, ocupados e a ganhar bem.

Não estão.

Sabemos bem que as remunerações nos media têm caído drasticamente (outro resultado da internet). Há menos dinheiro para pagar aos “criativos”, que são cada vez mais e fáceis de encontrar. Há menos dinheiro, e há mais gente.

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Portanto, os “criativos” são pagos cada vez menos e os “conteúdos” tornaram-se uma mercadoria como o arroz ou os telemóveis. Para quê pagar x se pode pagar 50% de x ou até 0%? Comparado com o que um ilustrador ou um fotógrafo podiam ganhar por uma peça há 20 anos, não é incomum receberem hoje 10% desse valor (em termos reais, isso talvez seja 5%) por um trabalho equivalente, colocado num lugar equivalente. Gostava tanto de estar a exagerar.

É difícil falar disto abertamente, fora das nossas reuniões secretas de artistas em caves, à luz de velas, prestes a cortar as orelhas em desespero. É difícil não parecer uma florzinha delicada mas por vezes é necessário explicar que o que fazemos é trabalho, trabalho difícil, e que criar, ter ideias, ser criativo, em qualquer media, exige energia, concentração, horas e anos de prática, mesmo quando o desenho ou frase resultante levam minutos a fazer.

Sim, sofremos da culpa de não sermos médicos ou algo igualmente “útil”, e o que fazemos é um luxo (não nos devíamos sentir culpados e a arte não é um luxo, e, se fosse, ninguém teria nada para ler, olhar ou comprar), mas infelizmente nascemos assim.

Estou pouco optimista em relação à possibilidade de vir a existir uma indústria criativa saudável, composta por artistas diversos e capazes de ganhar a vida saudavelmente. Estou preocupada por num futuro próximo não conseguirmos continuar trabalhar, e a maior parte do trabalho criativo acabar por ser feito por amadores, sem as horas e os anos de prática.

Paradoxalmente, a procura constante de criatividade está a dar cabo da indústria criativa. A criatividade nunca morrerá, claro… é da natureza humana sermos criativos, mas a indústria criativa é bem capaz de morrer.

(Traduzido do original inglês pela autora)

A paradox

I am arriving reluctantly at the conclusion that, not far into the future, it will be almost impossible for any artists (artists, illustrators, designers of not-cars-or-phones, photographers, musicians, and writers of all kinds including journalists) to be able to make a living. All the “content” that the world looks at, listens to and reads will be made by a lucky few who have someone else to feed them while they work, and a handful of extraordinary creatures who have enough creative energy left in them after a hard day on the buses. Maybe there will be a tiny clique of megastars who, through virality and mere and sheer volume of sales, will be able to live off their work.

I don’t mean get rich. I mean make a living.

As always, the internet is to blame, and I long to be able to see a way in which this logical conclusion can be avoided. Of course, technology and the internet have been great to us, and have made it easier for us to create and deliver our “content”. The first time I sent a piece of work via email was a great day. Gone were the days of sending work by registered mail and praying. These days, one sends an email and, if there are changes necessary, there is a phone call, “can it be bluer/sharper/bigger?” and within minutes the changes are done and sent back via email.

Another result of the new technology and the internet is that it is easier for “creatives” to be found and to show their work than it used to be. These days, one doesn’t have to trudge round the capital city, knocking on doors, with a portfolio, for example. The internet has also created a hunger for 24 hour media, demanding a constant flow of new words and images to fill it up. Many people think that, since there is much more work, we “creatives” must all be fine and busy and raking it in.

Nope.

As everyone must be aware by now, revenues in the media have plummeted (another byproduct of the internet), so there is far less money to go around, and the ease with which “creatives” can be found has resulted in what used to be small homestead of artists available to work being transformed into a huge industrial mega-farm of content providers. Less money, more people.

Therefore, creatives are all paid less and less, and “content” has been devalued to the point of being a commodity, like rice or mobile phones. Why pay x if you can pay 50% of x or even 0% of x? Compared to what an illustrator or photographer could be paid for a piece of work 20 years ago, today, it is not uncommon for them to be paid 10% of that for an equivalent, and equivalently placed, work (that is, 10% in nominal terms, 5% in real terms). I wish I were exaggerating.

This is a very difficult thing to talk about in the open, away from secret candle lit meetings of artists huddled in dark basements, ready to cut off our ears in desperation. It’s hard not to sound like a precious flower, but sometimes it is necessary to explain that what we do is work, hard work, and that making, creating, having ideas, being creative, in whatever medium, takes energy, concentration, and hours and years of practice, even if the final sentence or drawing took minutes to do.

Yes, we all suffer from the guilt that we aren’t doctors or something equally “useful”, and that what we do is a kind of a luxury (we shouldn’t feel guilty and art is not a luxury, or you wouldn’t have anything to read, look at, buy or wear), but we are hard wired to be what we are.

I am at a loss to see anything other than the end of a healthy creative industry made up of a herd of diverse artists, thriving and managing to make a living from what they do. Instead, I worry that we will all be put out of business. Most work will be done on the cheap by amateurs, and it will suffer from the lack of those hours and years of practice.

Paradoxically, the incessant demand for creativity is killing the creative industry. Creativity will never go away, it’s our nature as humans, but the industry of creativity might very well die.