Jacques Le Goff, num pequeno opúsculo intitulado La vieille Europe et la nôtre passa em revista a história do velho continente, concluindo que a sua antiguidade lhe permite responder aos desafios do presente e mesmo do futuro.

A velha Europa em que vivemos, batizada há 25 séculos pela mitologia grega, é o berço e guardiã das grandes ideias que revolucionaram o nosso Mundo. E apesar da sua antiguidade, continua ainda em fase de projeto. Da razão pura à dúvida metódica, dos valores da fé ao ideal de liberdade, igualdade e fraternidade, na Europa infundiu-se no Homem o desejo de construção de uma sociedade mais evoluída e fraterna, capaz de responder progressivamente aos seus anseios.

Todavia, em certos períodos, as expectativas das populações foram defraudadas conduzindo a épocas de escuridão, de terror e de perseguição, com profundo retrocesso civilizacional, infligindo na Europa golpes profundos, os quais ainda hoje se fazem sentir. Não precisamos de recuar muito no tempo. Pensemos no século XX, marcado de forma indelével por duas guerras mundiais que ceifaram milhões de vidas, vilipendiando a dignidade da pessoa humana.

A Europa, renascida das cinzas, recusou as armas em prol de uma convivência pacífica entre os povos, assente numa igualdade entre os Estados e no princípio da solidariedade, visando um crescimento e desenvolvimento sustentáveis. Assim nasceu a CECA, a CEE e a UE.

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Mas optou por um caminho. Neste momento, em que falar de muros está na ordem do dia, parece que a Europa sofre do síndroma Humpty Dumpty, tentando manter o equilíbrio em cima de um muro, sem se comprometer, como na personagem do ovo antropomórfico de Alice no País das Maravilhas. Aí surge igualmente um diálogo interessante entre a Alice e o Gato de sorriso enigmático que, perante a pergunta de qual o caminho que deverá seguir lhe responde que depende do sítio para onde Alice quer ir, porque se o não souber poderá ir por um lado qualquer.

A Europa, perante uma crise financeira e económica ainda latente, um afluir de refugiados e de imigração, com tendência para aumentar significativamente, e face a um descontentamento progressivo dos povos europeus vai ter que optar por um caminho. Uma coisa é certa, a história já nos ensinou: a existência da UE dependerá da capacidade de, simultaneamente, se manterem vivas uma economia e uma moeda, cidades pujantes, populações que escapem à miséria e de valores suscetíveis de iluminar a ação política e social.

Não existe muro capaz de deter o movimento da história e quem atrás dele se colocar ficará inexoravelmente mais exposto ao extravasamento daqueles que os países não souberam ou quiseram receber ou integrar. A UE está numa encruzilhada, entre uma América cujos Estados Unidos se vão fechar e uma Rússia que almeja recuperar uma influência há muito perdida. Se nada fizer, vai continuar a esboroar até à implosão. Mas, muito antes de se tornar inócua na cena internacional, já os Estados europeus terão reerguido as suas fronteiras nacionais. Quem os poderá censurar? E neste movimento da história, não queira Portugal ser o Coelho Branco de relógio de bolso na mão sempre a correr atrás do tempo.

Professor Universitário