Não houve crítica mais vezes repetida a Cavaco Silva do que esta: ele não foi, nunca foi, o Presidente de todos os portugueses. Nunca percebi bem o que quer dizer “de todos os portugueses”, confesso. Pensei sempre que era o meu Presidente aquele que tinha sido eleito, com ou sem o meu voto, gostasse mais ou menos das suas ideias. Mas descobri que não: que um Presidente tem uma obrigação moral inscrita nas pedras, não de dizer o que pensa, mas de dizer o que pensa ser a bissetriz da opinião dos portugueses todos (ou, vá, a opinião de quem o critica). Lamento dizer, não creio que alguma vez tenha sido assim.

Eanes foi eleito quando eu nem votava ainda, mas lembro-me bem de como fez o PRD, de como vincou as suas opções.

Com Soares eu já vivia a política. Lembro-me de um Presidente de esquerda, sempre à espreita do momento para ganhar popularidade. Foi assim que apanhou a onda da maioria de Cavaco e seguiu com o seu voto para um segundo mandato; foi assim que apanhou a onda da crise de 1992 e se transformou no verdadeiro líder da oposição.

Depois veio Sampaio – e creio que nem por um só minuto alguém tenha duvidado que ele fosse de esquerda. Sampaio é nobre, é cavalheiro. É honrado e inteligente. A direita, o centro, muitas vezes o contestaram, mas não lhe perderam o respeito. Lembro-me como foi até nos últimos dias, aqueles em que deitou abaixo o Governo de Santana Lopes, arriscando o seu lugar na história. Fez o que achava ser por bem, mas nunca deixou de ser ele próprio.

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Pois esta quarta-feira ouvi com atenção Sampaio da Nóvoa, no discurso com que se lançou na corrida ao mais alto cargo da nação portuguesa. E ouvi-o dizer bem alto o que pensa do país, do Governo atual, das suas políticas. Disse, creio, o que pensa, e disse entre outras coisas o seguinte:

“Que política é esta? Sem uma única ideia de futuro para Portugal. Que país é este? Que parece sem vontade, sem pensamento, sem rumo”.

Sampaio da Nóvoa apresentou-se como a nova esperança, uma esperança da esquerda. Marcou discurso, vincou linhas vermelhas: com ele não haverá destruição do Estado Social, não haverá “voltar atrás”. Com ele haverá “um plano”, esperança, luta. Disse-o bonito, como já percebemos que sabe dizer.

Verdade que o disse em abstrato, imagino que para não perder amplitude. Verdade que disse pouco, para não perder o pé. Havemos de voltar ao programa dele, que ainda é pouco mais que nada. Mas na hora do arranque quero sublinhar isto: ele não se escondeu. Como não o fez quando foi ao congresso do PS, à posse novo do autarca de Lisboa, a vários fóruns de discussão de esquerda, tão amplos que chegaram ao PCP, passaram pelo Bloco e pelo Livre.

Sim, essa virtude Sampaio da Nóvoa teve: não se escondeu atrás do biombo do independente para vestir o que vestia Ivone Silva. Não fez como Paulo Morais, por exemplo, ou como tinha feito Fernando Nobre cinco anos antes dele. Fez, vejam lá a heresia, como Cavaco. Ou Soares e Sampaio. E fez bem. Porque o Presidente de todos os portugueses nunca existiu. Oxalá os que tanto criticaram Cavaco Silva por isso agora o percebam melhor. Talvez até o defendam.