Na Cimeira do Clima em Paris, e numa altura em que a responsabilidade dos avanços no sentido de haver um Acordo global está diretamente na mão dos Ministros do Ambiente, uma das questões fundamentais em discussão (e sobre a qual há opções muitos diferentes em negociação), é o objetivo coletivo de longo-prazo no que respeita à mitigação (redução das emissões de gases com efeito de estufa).

O texto atual menciona a necessidade dos países cooperarem para atingirem o objetivo de limitar o aumento de temperatura (que ainda está por definir se será 2 ºC ou 1,5 ºC em relação à era pré-industrial) através de um conjunto de opções em aberto: atingir um pico de emissões de poluentes tão rapidamente quanto possível, principalmente à custa de um maior esforço dos países desenvolvidos, a ideia de estabelecer mesmo uma percentagem de redução de emissões entre 2050 e um ano base, o atingir zero emissões líquidas entre 2060-2080, a promoção de uma “neutralidade climática” ou descarbonização ao longo deste século ou tão rapidamente quanto possível na segunda metade do século, ou ainda promover uma distribuição global do orçamento de carbono global baseado em responsabilidades históricas e numa “justiça climática”.

Numa narrativa com visões ainda tão diferentes, o consenso, a atingir em princípio até dia 9, quarta-feira, não vai ser fácil. Porém, valeria a pena retomar um exercício de visão de longo prazo para Portugal, após o Roteiro Nacional de Baixo Carbono, efetuado em 2012, e que constitui um instrumento prospetivo da maior relevância, apontando orientações estratégicas para que, em 2050, Portugal tenha uma economia simultaneamente de baixo carbono e competitiva. O objetivo final, perfeitamente alcançável através de um pacote ambicioso cobrindo as áreas da redução de consumo, eficiência energética e energias renováveis, seria diminuir significativamente a dependência energética de Portugal do exterior, melhorar a resiliência, e evitar as emissões de gases causadoras do aquecimento global e consequentes alterações climáticas. Em 2030, Portugal deveria conseguir atingir uma meta de 100% de eletricidade produzida no país a partir de fontes renováveis. Em 2050, o objetivo passaria por termos um país neutro em termos de emissões de carbono, considerando a elevada capacidade que temos de recorrer a sumidouros, nomeadamente as florestas, desde que de forma sustentável.

Neste contexto, e como desafio para o governo que agora inicia os seus trabalhos, arrisco definir três medidas imediatas que deveriam iniciar desde já esse esforço de longo prazo, algumas delas em consonância com o previsto no Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030 aprovado pelo anterior governo e publicado em 30 de julho deste ano como parte do Quadro Estratégico para a Política Climática e que assenta também no denominado Compromisso para o Crescimento Verde.

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Terminar a subsidiação à produção de eletricidade com recurso ao carvão

Com o final dos contratos de elevada subsidiação às ineficientes centrais a carvão em Portugal em Sines e no Pego (em 2017 e 2021, respetivamente), com o maior peso de eletricidade de fontes renováveis e com a garantia de segurança de abastecimento através das centrais de ciclo combinado a gás natural existentes e subutilizadas, não há razão para o Estado prorrogar qualquer apoio, quando estas centrais em Portugal este ano, de janeiro a novembro, inclusive, foram responsáveis por cerca de 19% das emissões totais de gases com efeito de estufa do país (por comparação com os níveis de 2013).

Apostar no uso da energia solar

A potência fotovoltaica instalada em Portugal, praticamente quadruplicou nos últimos cinco anos (ainda com um peso mínimo mas atingindo cerca de 450 MW – um décimo da potência da eólica), da mesma forma que os preços têm vindo a cair vertiginosamente, tendo-se já atingido a paridade com o preço da eletricidade, não havendo necessidade de haver qualquer subsidiação facto refletido no quadro da recente legislação sobre autoconsumo. Num país com mais de três mil horas de sol e com muitas áreas construídas e com coberturas que podem ser ocupadas por painéis, que no futuro poderão estar conjugados com o recurso a baterias, cujo preço também está a descer, alguns incentivos a esta produção e também à instalação de água quente solar, evitaria uma fatia significativa de emissões. Aliás, a energia solar surge como complementar a outras fontes renováveis à escala diária e anual, como é o caso da energia eólica, cujo comportamento é de certa forma inverso.

Um sistema de transportes eficiente

Como infelizmente esperado, a fiscalidade verde não tem sido suficiente para contrariar um maior uso do transporte rodoviário individual. Em Lisboa, entre 2001 e 2011, os movimentos pendulares recorrendo ao automóvel, passaram de 39% para 48%. Com problemas graves de poluição do ar e de ruído, para além das emissões de gases com efeito de estufa, o sector dos transportes são responsáveis, a par da produção de eletricidade, por cerca de um quarto das emissões nacionais totais. Assim, é fundamental fazer um trabalho profundo que outras cidades europeias estão a dinamizar, com programas profundos de dinamização da qualidade de vida e de atração como residência dos centros urbanos, de estímulo aos modos suaves nas deslocações casa-trabalho (andar a pé, de bicicleta), de melhoria do transporte público, de integração da bilhética, em particular da ferrovia. O futuro terá de passar por uma transformação que já está a acontecer, onde a produção e armazenamento descentralizado de eletricidade cada vez mais de origem renovável, com a ajuda das tecnologias de informação, potenciará a tímida evolução do parque de veículos elétricos (incluindo autocarros). As empresas têm que neste capítulo desempenhar um papel fundamental no desincentivo ao uso do automóvel, assumindo as suas responsabilidades na descarbonização da economia e participando em iniciativas em que aumentem o conhecimento e a comunicação sobre as suas emissões diretas e indiretas.

Portugal é um país que em relação às metas traçadas à escala europeia tem até alguma folga, quer por investimentos anteriores nomeadamente nas renováveis, quer pela crise económica mais recente. No entanto, as condições naturais e políticas de que dispõe deviam levá-lo a não perder oportunidades.

Professor universitário do CENSE-FCT/UNL