1. O chamado livro branco da Comissão Europeia sobre o futuro da Europa, na realidade, não é mais do que um pequeno artigo. O cronograma apresentado por Jean Claude Juncker é inteligente pois abre cinco caminhos possíveis e depois calendariza artigos de reflexão para 2017 sobre algumas temáticas essenciais onde poderão existir consensos alargados (dimensão social da Europa, aproveitar a globalização, aprofundamento da União Económica e Monetária, defesa europeia e finanças europeias). Deixa de lado assuntos importantes, mas obviamente pouco consensuais (por exemplo o de como solucionar o problema do peso da dívida excessiva em certos estados). Juncker fará o seu discurso sobre o “estado da união” em meados de Setembro, mas só em Dezembro, no Conselho Europeu, haverá alguma clarificação. O futuro da União Europeia não depende, porém, nem sobretudo da Comissão Europeia, que tem vindo a perder poder no quadro institucional europeu, nem das preferências de pequenos ou médios países actuando isoladamente. Depende em grande parte das motivações e capacidade de ação política de certos atores políticos em países relevantes (Alemanha, França, Itália) e da capacidade de conjugar vontades de países de média dimensão.

2. A questão relevante não é, assim, qual o cenário mais desejável para a Europa, mas sim qual o mais provável dada a correlação de forças política que existirá no final do ano. Enquanto o debate sobre os cenários prosseguirá, o essencial, a seleção dos atores políticos e respetivas famílias políticas desenrolar-se-á quer a nível nacional quer nas instituições europeias. Começa já a 15 de Março (eleições na Holanda) até o mais tardar Maio de 2018 (eleições na Itália), passando pelas francesas e alemãs (setembro). As eleições holandesas serão um primeiro momento importante pois clarificarão o peso político do populismo e da xenofobia (Geert Wilders) na Holanda. Esse peso será certamente exacerbado pelos acontecimentos dos últimos dias em que dois ministros de Erdogan foram, e bem, um impedido de entrar no país, a outra levada à fronteira com a Alemanha em vésperas de eleições holandesas, para falar à comunidade turco-holandesa. Depois da influência de Putin nas eleições americanas temos agora a influência de Erdogan nas eleições europeias. Se a Dinamarca alinhou com a Holanda ao adiar a visita do primeiro-ministro turco prevista para o próximo fim de semana, já a França permitiu que o ministro dos negócios estrangeiros turco, impedido no sábado de entrar na Holanda, diga no domingo em Metz, que “a Holanda é a capital do fascismo”. A União Europeia ainda atua a várias vozes e de forma pouco concertada apesar de já ter uma Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança.

3. A seguir teremos as eleições francesas. Devido ao teorema do votante mediano não prevejo a vitória de Le Pen, pelo que se Macron ganhar, será importante para Portugal quem escolherá para ministro das Finanças. Michel Sapin, socialista, poderá ser uma escolha. Não por acaso, agora que a política francesa começa a mexer por caminhos tortuosos, e que Macron está a ser investigado por supostamente ter feito uma adjudicação direta a uma empresa para organizar uma soirée em Las Vegas, Sapin veio em seu apoio. Se Sapin integrar o governo, será com Luis de Guindos (espanhol), outro candidato à sucessão de Dijsselbloem na liderança do Eurogrupo. Este tudo fará para manter o seu lugar apesar da previsível derrota eleitoral do seu partido nas eleições desta semana.

4. Finalmente, o mais importante, as eleições alemãs. A vitória de Merkel, acompanhada do poderoso Schauble, não trará nada de novo à Europa senão a continuidade no relativo pântano em que navegamos (cenário 1). Em contrapartida, uma vitória do SPD e uma nova coligação liderada por Martin Schultz, que está a ser uma boa surpresa nas sondagens, possibilitaria caminhar na via de que os países que querem mais fazem mais em conjunto (cenário 3) o que seria bom para Portugal. Dada a importância que o Conselho Europeu e o organismo informal Eurogrupo desempenham actualmente as pessoas que ocuparem esses lugares serão determinantes para o futuro da Europa.

5. Se a dimensão política será essencial, a económica e financeira não o será menos. A evolução nos fundamentos económicos da União e de cada um dos seus membros é critica, e se o crescimento é essencial o emprego ainda mais. É sabido que o apoio (ou falta dele) às democracias depende muito do seu bom (ou mau) desempenho económico. Necessitamos ter novos atores políticos, com visão, outras motivações e capacidade de decisão em relação ao futuro da Europa. Mas é necessário conquistar os povos e os cidadãos europeus para o projeto europeu e isso só se fará, com mais cidadania e mais democracia europeia, resolvendo os problemas que todos sabemos que existem, mas de que a Comissão Europeia pouco fala (e.g. dívida pública, ativos em risco nos balanços dos bancos, etc.) por razões óbvias.

Professor Catedrático do ISEG e deputado eleito como independente nas listas do PS de Setúbal e membro do grupo parlamentar. As opiniões expressas apenas vinculam o autor.

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