Na passada sexta-feira, Guy Verhofstadt (que foi primeiro-ministro da Bélgica entre 1999 e 2008) publicou aqui no Observador um artigo estimulante sobre o futuro da União Europeia. Significativamente intitulado “Europa: Líder do Mundo Livre”, o texto dificilmente poderia ser mais oportuno. As suas propostas merecem, por isso mesmo, uma avaliação atenta.

É de saudar o combativo espírito europeísta que inspira todo o texto. Precisamos dessa inspiração, sobretudo nos dias que correm. Mas é muito duvidoso que o melhor caminho para reforçar a causa europeísta seja o de reforçar a integração supra-nacional que o autor advoga.

A mais evidente dificuldade que o argumento supranacional enfrenta é puramente eleitoral — o que, em regimes democráticos, parece ser uma dificuldade de peso. Um pouco por toda a Europa, cresce o apoio eleitoral a movimentos populistas que reclamam devolução de poderes aos estados-nação. Esta tendência eleitoral está a criar uma situação embaraçosa: cada nova eleição que se anuncia (Holanda, França, eventualmente Itália) ameaça produzir resultados favoráveis aos populistas.

Em meu entender, a pior resposta que os europeístas podem dar ao populismo é a de ignorar os sentimentos dos eleitores que estão a ser explorados pelos populistas. A resposta normal, nas democracias, seria ouvir os eleitores e tentar articular os seus sentimentos numa linguagem política não populista. Por outras palavras, se os partidos centrais — de centro-direita ou de centro-esquerda — insistirem em ignorar os sentimento dos eleitores em revolta, isso irá simplesmente reforçar o apoio eleitoral aos partidos populistas.

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A definição exacta do conjunto de factores que motiva os eleitorados é certamente complexa. Mas parece indesmentível que um desses factores essenciais é o sentimento nacional. Segmentos significativos dos eleitorados europeus percepcionam um défice na sua capacidade de auto-governo nacional. Associam esse défice à ideia de que a União Europeia persegue um propósito imparável — o propósito de sempre maior integração supranacional, frequentemente conhecido pela expressão “Mais Europa”, ou “uma união sempre mais integrada”.

Como resultado desta percepção, instalou-se a ideia de que ser europeísta significa ser a favor de sempre maior integração supra-nacional. Isso significaria, como consequência, que ser contra maior integração supranacional equivaleria a ser anti-europeísta, ou contra a União Europeia.

Esta é a “infeliz dicotomia” que está a ser habilmente explorada pelos populistas. Basicamente, eles dizem que, como não é possível travar a crescente integração supra-nacional no interior da UE (ou no interior dos partidos centrais), a única alternativa é ser anti-União Europeia e votar nos partidos populistas.

Em meu entender, a principal preocupação dos europeístas deveria hoje consistir em desfazer o equívoco dessa “infeliz dicotomia”. A União Europeia é um nobre projecto de colaboração entre as democracias nacionais europeias. Tal como em cada uma dessas democracias não está escrito na Constituição quais as políticas específicas que devem ser adoptadas, também na União Europeia essas políticas específicas não podem estar pré-definidas.

Por outras palavras, devíamos restaurar na União Europeia uma saudável concorrência e alternância entre propostas de mais integração supranacional e propostas de mais devolução de poderes aos parlamentos nacionais. Essa concorrência devia idealmente ser patente na diferenciação entre os grupos parlamentares de centro-esquerda e os de centro-direita no Parlamento europeu. Se esta concorrência fosse acentuada, o espaço político dos partidos populistas seria por certo drasticamente reduzido.

Finalmente, esta ideia de concorrência devia ser alargada aos estados membros. Não há nenhum motivo empiricamente testável para que todos os estados-membros da UE tenham de subscrever o mesmo grau de integração supra-nacional. Na verdade, isso já acontece: nem todos são membros do euro, nem todos pertencem ao chamado “Espaço Schengen”.

Estas experiências de variedade não evidenciaram até agora nenhum problema grave para a subsistência da União Europeia. Pelo contrário, esta variedade tem ajudado a enraizar o projecto europeu em diferentes temperamentos e tradições nacionais.