* Recensão crítica de Irrational Exuberance,
Terceira edição, de Robert Shiller, Princeton University Press, 2015.

Neste início de 2015, comecei a ler três livros: desde logo, o livro referido no título, Irrational Exuberance, mas também Hall of Mirrors, de Barry Eichengreen, e When the Facts Change, de Tony Judt. Em minha opinião, são três excelentes obras, fontes preciosas de informação e perspetiva. Têm em comum a reflexão sobre a história do presente e são, portanto, uma ajuda aos leitores que querem pensar sobre o que se está a passar. Eichengreen e Judt são historiadores reputados. Robert Shiller – prémio Nobel da Economia em 2013 – não é. No entanto, em Irrational Exuberance, examina a determinação do preço de ações, obrigações, habitações e outros ativos especulativos numa perspetiva histórica. Para ações e obrigações, a terceira edição cobre o período de 1871 a 2014! Para as habitações, disponibiliza séries para os preços, custos de construção, população e taxas de juro de 1890 a 2014! No website Irrational exuberance, há informação complementar atualizada.

Os três livros partilham ainda um outro elemento comum: a referência a Keynes. No índice remissivo de Irrational Exuberance, Keynes aparece seis vezes; em When the Facts Change, onze (mas deu ainda a inspiração para o título do livro: “When the facts change I change my mind: what do you do, sir?”); e, em Hall of Mirrors, dezoito.

A influência de Keynes sobre Robert Shiller é profunda. Shiller tem focado a sua carreira sobre a determinação, no longo prazo, do preço de ativos especulativos como ações, obrigações e habitações. Tem analisado o papel da racionalidade e da informação na sua determinação. Mas a perspetiva está focada nos limites da racionalidade na explicação de comportamentos individuais e coletivos. Especificamente, tem centrado a investigação na importância de fatores culturais e psicológicos.

Shiller, com Richard Thaler, é, desde 1991, diretor do programa do National Bureau of Economic Research em Economia e Finanças Comportamentais (Behavioral Economics and Finance). Neste quase quarto de século, este programa de investigação tem incentivado a produção de artigos que se desviam sistematicamente do paradigma dominante dos mercados eficientes. De acordo com centenas de contributos aí enquadrados, fatores sociais, políticos e comportamentais têm um papel muito importante.

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Esta abordagem é claramente expressa na definição de bolha especulativa que aparece repetidamente no livro. Na minha tradução (como será o caso em todos os excertos que se seguem), chama-se bolha especulativa “[a] uma situação em que notícias de aumentos de preços alimentam o entusiasmo dos investidores, o qual se espalha por contágio psicológico de pessoa para pessoa, amplificando, no processo, estórias que justificam o aumento de preços. Desta forma atraem números cada vez maiores de investidores que, apesar de dúvidas sobre o valor real do investimento, são atraídos em parte pela inveja do sucesso de outros, em parte pela excitação do jogo.” Como o autor escreve, no prefácio à segunda edição, “o livro é realmente sobre o comportamento de todos os mercados especulativos, sobre a vulnerabilidade humana face ao erro e sobre a instabilidade do sistema capitalista.”

O prefácio à segunda edição (2005) inclui um parágrafo muito marcante que vale a pena reproduzir na totalidade:

“Os assuntos tratados neste livro são importantes e a sua relevância mantém-se hoje. Pessoas em muitas partes do mundo estão ainda excessivamente confiantes em que a Bolsa e o mercado de habitação continuarão a subir e esse excesso de confiança pode conduzir a instabilidade. Aumentos significativos nesses mercados poderão conduzir subsequentemente a reduções significativas. O mau resultado seria um aumento das falências individuais, que poderia conduzir a uma linha secundária de falências de instituições financeiras. Outra consequência, seria uma quebra de confiança de empresários e consumidores e, possivelmente, uma recessão mundial. Este resultado extremo – semelhante a uma versão global da situação do Japão nos anos 90 – não é inevitável. É, no entanto, um risco muito maior do que normalmente reconhecido.”

Este parágrafo põe Robert Shiller, a par com Maurice Obstfeld, Kenneth Rogoff, Carmen Reinhart e William White, num grupo restrito de economistas que chamaram a atenção para problemas de instabilidade financeira antes da Crise Global de 2007 – 201..?. Na primeira edição de Irracionalidade Exuberante, o tema de atualidade era o valor excessivo da cotação das ações. De acordo com as séries disponíveis o price-earnings ratio (P/E) atingiu máximos em 2000. Por coincidência, na data de publicação do livro, o índice S&P atingiu o seu valor máximo. Quando, em março de 2003, atingiu o mínimo, tinha perdido, em termos ajustados pela inflação, metade do seu valor.

A primeira edição (2000) centrou-se na Bolsa -a Bolsa caiu. A segunda edição (2005) incluía um novo capítulo sobre o mercado de habitação nos EUA – o gatilho da Crise Global que ainda marca a conjuntura e as políticas macroeconómicas. A terceira edição (2015) tem um novo capítulo sobre mercados de obrigações do Tesouro.

O autor, no entanto, parece hesitar no seu foco. Refere que o indicador que desenvolveu com John Campbel, o P/E ajustado ciclicamente, está em valores elevados (só ultrapassados em 1929, 2000 e 2007). Escreve sobre a possibilidade de excessos nos preços de habitação em algumas partes do mundo (no Prefácio dedica alguns parágrafos ao caso da Colômbia). De forma incaracterística, hesita mesmo no julgamento sobre se os desenvolvimentos no mercado de obrigações do Tesouro se podem qualificar como bolha especulativa. Escreve:

“Alguns observadores referem-se a uma “bolha no mercado de obrigações” que, no momento da escrita, em 2014, poderá rebentar. No entanto, parece que não se trata de uma bolha especulativa clássica no sentido deste livro. Isto porque as expectativas de rendibilidade, no longo prazo, são muito reduzidas e não elevadas como se esperaria no caso de uma bolha. Mas estas tendências no mercado de obrigações poderão ser semelhantes a uma bolha.”

Parece-me que o autor considera a situação atual particularmente complexa: por um lado, as interações entre mercados são particularmente importantes, por outro, as mudanças na psicologia e política decorrentes da crise global poderão ter alterado profundamente os padrões de referência relevantes. Como em 2000 e 2005, Robert Shiller continua incontornável para quem quer perceber o nosso presente (e futuro) financeiro.