Outro dia estava no aniversário de um amigo e ouvi uma roda de homens, todos com seus 40 e poucos anos, falando sobre suas filhas, ainda crianças. Dentre as coisas que se ouvia estavam frases como “minha filha vai para o convento”, “quando ela fizer 15 anos eu compro uma arma” e “por mim, nem casava, ficava em casa cuidando de mim até eu ficar velho”. Entre uma frase e outra, risos para tentar convencer de que aquelas brincadeiras não tinham fundos de verdade.

Ciúme é um sentimento não muito nobre, porém aceitável. Não é nobre porque ciúme é quase sempre fruto de um sentimento de posse ou das nossas tantas inseguranças. Canalizamos questões que são nossas para cima dos outros e às vezes até os punimos por isso. O ciúme é tolerável desde que a gente tente lutar contra ele, ao invés de aceitá-lo como verdade absoluta ou, pior, como direito.

É bastante normal que os pais tenham algum ciúme dos filhos, sobretudo quando estes começam a crescer e aparecem com seus primeiros namorados. Mães, pais, filhos meninos, filhas meninas, não importa. De fato, sempre pode haver uma ponta de vontade de mantê-los eternamente crianças, sem grandes emancipações por perto.

Mas o que se denominou como “pai ciumento” é algo muito diferente disso. Não se trata de ciúme, do medo de perder ou das inseguranças normais da vida. O que se rotulou como “ciúme paterno”, infelizmente, não é nada além de puro e simples machismo.

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Em primeiro lugar porque, curiosamente, os pais ciumentos só têm ciúmes das filhas e nunca dos filhos. Ou seja, isso não tem nada a ver com amor, senão não mudaria por uma mera questão de gênero. Para este tipo de pai, o filho pode namorar o quanto quiser, quanto mais melhor, enquanto a filha deve ser preservada, ainda que para isso suas vontades tenham que ser oprimidas.

Não se trata da vontade de proteger a filha, mas sim de, mesmo que inconscientemente, perpetuar a dependência feminina em relação à figura paterna, bem como de manter a sexualidade da mulher como um eterno tabu, sempre a mercê das ordens de um homem, seja o pai, o namorado, o marido ou qualquer outro homem que se julgue em tal direito.

Ouvi uma vez que estes pais, que querem impedir a qualquer custo que a filha namore, são exatamente aqueles que não são confiáveis como homens. Os que traem, os que não trataram as mulheres como elas deveriam ser tratadas. O medo deles é o da filha encontrar alguém exatamente como eles pelo caminho. E isso deve ser muito triste.

Dizem, inclusive, que filhas que têm um bom exemplo paterno, raramente se envolvem com homens que as tratem mal. Pelo simples fato de crescerem com um bom modelo, tendem a não aceitar menos do que isso. Ou seja, pais que são grandes homens não têm grandes razões para se preocupar. A educação empurra mas o exemplo arrasta.

Porque no fim das contas, o pai que ama de verdade, ama com generosidade. Esse pai quer uma filha que seja feliz e senhora da própria vida. Quer que ela voe, que cresça, que experimente e descubra. Protegida, sim, tolhida, nunca. Esse é o pai que toda menina merece.