O secretário executivo da Comissão Económica da ONU para África reconhece que os países africanos estão cada vez mais abertamente críticos dos parceiros europeus porque a crise na Europa permitiu novos canais de financiamento a África, afastando os dois continentes.

“Vir dar lições” aos outros como se a sua própria “casa fosse perfeita sem telhados de vidro começa a incomodar”, disse o economista guineense Carlos Lopes à Lusa, que trabalha há muitos anos na ONU, ocupando agora o lugar em Adis Abeba, capital etíope.

Da Europa surgem lições de boa governação que começam a ser contestadas pelos líderes africanos, nomeadamente em encontros institucionais como a que terminou na sexta-feira em Malabo, que acolheu a 23.ª Cimeira da União Africana (UA).

Em várias sessões foram feitas várias críticas ao “neocolonialismo” europeu, na presença dos dois únicos representantes da Europa no encontro, o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy e o secretário de Estado português Luís Campos Ferreira.

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“Penso que os africanos estão um pouco mais agressivos em relação a este tipo de linguagem porque quem nos dá lições muitas vezes tem crises económicas, dificuldades de toda a ordem, terrorismo e dificuldades religiosas identitárias”, justificou Carlos Lopes.

Além disso, os países africanos têm cada vez mais “alternativas de financiamento” à Europa, com a cooperação de novos países emergentes como a China ou outras potências regionais.

Por outro lado, “o facto de as remessas de emigrantes neste momento representarem mais do que a ajuda ao desenvolvimento” por parte da Europa também contribui para que “os africanos achem que já não têm lições a receber” dos seus antigos colonizadores.

Para Carlos Lopes, há “uma necessidade de equilíbrio no diálogo que os africanos estão a exigir cada vez mais”, assumindo também os líderes do continente a responsabilidade de gestão do seu próprio território.

“África é o continente que tem a maior estrutura regional mais sofisticada depois da União Europeia”, com uma “arquitetura de paz e segurança” e cooperação que permite colocar tropas em missões em diversos países.

“Ao contrário do que se pensa, muitas das tropas das Nações Unidas são africanas”, disse o dirigente da ONU.

O reacendimento dos conflitos da República Centro-Africana, no Sudão e na Somália acabam por obrigar à colocação de muitos meios no terreno e é um “bocado triste” que África permaneça no centro das atenções mundial por causa dos problemas de segurança.

Há cem milhões de africanos que sofrem diariamente de conflitos mas “nunca se fala dos 900 milhões que vivem em paz”, disse Carlos Lopes

Mas “a dimensão democrática é muito mais abrangente. Muitas vezes os erros que se cometeram no continente foi achar que as eleições resolvem os problemas”, como se fossem “uma espécie de panaceia”.

Por outro lado, “o processo de democratização do continente também não deve ser imitação dos modelos sofisticados que podem existir noutras paragens”, defendeu, considerando que o caminho tem de ser autónomo e adequado às “várias Áfricas” que compõem o continente.

“Se não gerirmos bem a diversidade e se fizermos uma democracia onde que aquele que ganha esmaga aquele que perde, não vamos poder resolver o problema do continente”.