Portugal vai enfrentar, “em grande medida”, desafios maiores no período pós-troika do que os que tem enfrentado nos últimos anos e tem de ter presente que as restrições e a austeridade vão continuar, escreve a ministra das Finanças num artigo de opinião que vai ser publicado na próxima semana.

No artigo de duas páginas, escrito para a nova revista ‘Plano_’, Maria Luís Albuquerque não poupa os anteriores governos, em especial o de José Sócrates, a resposta inicial da União Europeia à crise das dívidas soberanas, e os partidos que agora pedem a reestruturação da dívida pública portuguesa, mas deixa principalmente um aviso: a troika saiu, mas as restrições têm de continuar.

“O perigo é se nos iludirmos agora e pensarmos que podemos voltar a não ter restrições, que já passou e que não é preciso manter a austeridade”, escreve a ministra, que diz ainda que Portugal tem demonstrado grande capacidade de mobilização em períodos críticos, mas que tem falhado depois disso: “A história do país desde 1974 demonstra uma enorme capacidade de mobilização e realização em momentos chave, mas que parece ser difícil manter depois dos períodos mais críticos”.

“É precisamente agora, que se conclui o programa de ajustamento e que podemos ultrapassar o estigma que as dificuldades fizeram recair sobre Portugal, que somos verdadeiramente postos à prova. A nossa capacidade de não desperdiçar os progressos alcançados, de manter a disciplina das contas públicas, de prosseguir as reformas estruturais, de continuar a apostar nas vantagens de uma economia aberta sem setores protegidos que reduzam a competitividade, determina o nosso futuro coletivo”, escreve.

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A governante faz então uma ronda de críticas ao que considera ter corrido mal. Em primeiro lugar a gestão do país após aceder ao euro: “Conseguimos cumprir os critérios de convergência para integrar a moeda única desde o primeiro momento. Mas desde essa altura, as coisas começaram a correr menos bem e algumas das causas vêm de trás”.

“Paradoxalmente, acreditamos que união económica e monetária nos protegeria dos problemas de excesso de endividamento, mas que permitiria ao mesmo tempo proteger da concorrência os setores não transacionáveis”, escreve.

Do processo de ajustamento dos últimos anos, a ministra reconhece um problema de gestão política, que diz ter resultado da imagem que se criou nos países do norte de que os da periferia seriam indisciplinados: “Criou-se, e alimentou-se, nos países do norte da Europa a ideia de que os países da periferia, em especial os do sul, seriam indisciplinados, pouco trabalhadores e que, de alguma forma, tinham recorrido a expedientes pouco sérios para parecer que cumpriam os critérios da moeda única”. Esta será, diz Maria Luís Albuquerque, “a maior queixa que podemos ter dos nossos parceiros, se não a única” — porque foi isto que criou “uma dificuldade na gestão política dos programas de ajustamento”.

O anterior Governo é também ele alvo de severas criticas. Segunda a ministra, “a crise financeira de 2007 não foi a causa dos problemas de Portugal, apenas expôs a fragilidade da nossa aparente prosperidade” e a primeira reação a esta crise, desenhada na altura pelo Governo de José Sócrates, só veio fazer pior e tornar inevitável o resgate.

“A primeira reação à crise veio agravar ainda mais o problema. Aplicar a Portugal as medidas de combate à depressão da procura que faziam sentidos noutros países foi um erro trágico. (…) Rapidamente ultrapassámos o ponto de não-retorno, tornando inevitável o pedido de resgate, e piorando a situação com a recusa em aceitar essa inevitabilidade. Não tenhamos ilusões, a decisão de aumentar a despesa pública não deixou outro caminho”, escreve.

A oposição, e outros que têm feito a defesa da reestruturação da dívida pública, também são alvo de Maria Luís Albuquerque.

A ministra defende que sem o financiamento associado ao resgate “a dureza do ajustamento teria sido incomparavelmente maior” e que “são as poupanças de outros que sustentam este crédito. (…) Ao contrário do que se tenta fazer passar, a maioria dos investidores na dívida pública portuguesa não são especuladores, são fundos de pensões, gestores de ativos, bancos centrais, fundos soberanos, a que se juntam os pequenos aforradores nacionais”.

“Por que razão tanta gente parece achar legítimo que defraudemos as suas legítimas expetativas para não afetar as nossas é muito difícil de compreender”, diz, defendendo um debate onde é feita a “ponderação dos verdadeiros custos e benefícios de cada escolha”.

Há ainda espaço para uma crítica aos líderes europeus: “No início da crise das dívidas soberanas na área do euro, há que reconhecer que a gestão política não foi bem conseguida. No que diz respeito ao Governo, a ministra diz, no entanto que, que tem “a enorme convicção que este é o caminho certo”  .

Capa Plano 2

Capa da nova revista Plano_, cuja segunda edição vai para as bancas na próxima semana