Está finalmente de férias. No calendário, possivelmente colado ao frigorífico, está assinalado a encarnado as semanas de descanso pelas quais tem esperado o ano inteiro. Agora é só fazer as malas dos miúdos. Mas antes de sair de casa com as expetativas acumuladas, confirme se o hotel para onde vai é amigo dos seus filhos. Caso não saiba, em Portugal há unidades hoteleiras exclusivamente para adultos — em abril, o Diário de Notícias garantia que, ao todo, eram sete as que condicionavam o acesso aos mais novos.

A maior parte destes espaços são procurados por casais que querem descansar longe de crianças. A polémica não é nova mas, agora que o verão chegou, volta a estar na ordem do dia. A questão que se coloca é a seguinte: estão os hotéis adults only (ou child free?) a trabalhar para um segmento de mercado próprio ou a violar a lei?

Para Diogo Santos Nunes, os hotéis que proíbem o acesso a crianças estão numa situação ilegal, independentemente de existir um regulamento interno que determine a respetiva limitação. “Um regulamento não se pode impor à lei e esta estabelece a regra do livre acesso”. O jurista, a trabalhar há cinco anos na Deco, aponta o regime jurídico de empreendimentos turísticos que dita o livre acesso. “Este não pode ser vedado, a não ser em situações indicadas pela lei, na qual a conduta de uma pessoa ponha em causa o normal funcionamento do estabelecimento, adulto ou criança”.

Mas, então, porque há unidades que fecham as portas aos mais pequenos? “Só encontro uma razão, a falta de fiscalização. Muito embora existam hotéis que proíbem o acesso, justificam-no como segmentação de mercado, tendo em conta os clientes que pretendem adquirir”, diz o jurista. Assim, mantendo-se as limitações, o mesmo significa que estão à margem da lei. Ao Turismo de Portugal compete fiscalizar os empreendimentos turísticos, explica. O Observador tentou apurar, junto do Ministério da Economia, dados relativos às inspeções realizadas em 2013 a hotéis cujo segmento é adults only. O e-mail enviado, a 24 de junho, não obteve resposta conclusiva.

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A situação atual não afeta apenas as crianças — “Esta segmentação de mercado implica a discriminação de um determinado público, não são as crianças, mas sim as famílias”. Diogo Santos Nunes acrescenta que até compreende quem procure silêncio e paz em determinadas unidades. Afirma que a solução passaria, então, pela divisão do hotel em zonas distintas, para os mais pequenos e para os adultos, desde que o entrada da criança não fosse posta em causa.

Para Ana Cid Gonçalves, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, a mensagem em causa é “péssima”. “Simbolicamente, é um péssimo sinal se se começar a adotar uma medida como esta”. Sem ser contra a liberdade individual, a secretária-geral da instituição diz que é preciso ter consciência que este tipo de iniciativas fazem das crianças um “estorvo”, um “empecilho”. Defende ainda que o contrário deveria prevalecer, tendo em conta o problema de natalidade que Portugal enfrenta. “Precisamos que as empresas façam sinais contrários, sinais de acolhimento e não de exclusão”. “Hoje são as crianças, amanhã são os idosos”, diz, referindo a importância de uma sociedade inclusiva por oposição àquela que segrega. Apesar disso, Ana Cid garante que não tem recebido qualquer tipo de queixas neste sentido: “Não aconteceu porque, talvez, as pessoas não tinham sido confrontadas com isso. Caso contrário, ter-nos-iam dito”.

O jurista da Deco assegura que as pessoas estão cada vez mais conscientes da existência de estabelecimentos que limitam a entrada de crianças. Ainda assim, são muitos os (potenciais) clientes que desconhecem a ilegalidade da conduta. A última queixa que chegou à Deco data de há dois anos. Entretanto, chegaram alguns, poucos, pedidos de informação. Diogo Santos recorda-se de um em particular: o casal em causa não foi surpreendido porque a restrição dos filhos foi explicada no momento da reserva, pelo telefone. Perante a situação, interrogaram a Deco a propósito da legalidade da questão. “Sim, diria que sim, senti alguma revolta naquele pedido de esclarecimento”, confirma.

 

Uma questão de posicionamento de mercado

O Falésia Hotel é um exemplo das unidades que barram a entrada aos mais novos. De portas abertas desde 1992, só em 2005 adotou um conceito virado para clientes maiores de 16 anos. Carlos Franco, o diretor, assegura que é uma questão de adults only e não de child free, explicando que os respetivos clientes, 95% estrangeiros, gostam de crianças mas procuram o sossego absoluto. “São pais que fazem uma retirada estratégica para descansar um pouco”.

O conceito surgiu no Falésia Hotel a mando do mercado. Era preciso corresponder a uma nova tendência, para um cliente mais exigente, diz Carlos Franco ao Observador. A faixa etária de quem procura o estabelecimento turístico concentra-se entre os 30 e os 80 anos, e, desde que o hotel se virou para os adultos, a procura cresceu. As estruturas físicas do edifício mantiveram-se, aquando da mudança de segmento, mas o serviço tornou-se mais exigente: “São clientes que sabem o tipo de serviço que querem”.

Quando questionado sobre a legalidade referente às condições do hotel, ao não aceitar crianças, responde que tem a “questão jurídica devidamente salvaguardada”, uma vez que estão constantemente a informar o cliente. “Somos uma entidade privada, internamente temos esta questão salvaguardada e as pessoas, para fazer a reserva, são várias vezes informadas que só aceitamos hóspedes a partir dos 16 anos. Dizemos aquilo que somos”, clarifica.

Para Cristina Siza Vieira,  da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), esta não é uma questão de legalidade. “Os hotéis que se intitulam child free ou adults only fazem-no por questões comerciais, de posição de mercado. Existem na Europa e no mundo”, diz ao Observador. Mas esclarece que as unidades hoteleiras, não podendo proibir, desincentivam ao condicionar o acesso a determinados grupos.

“Um hotel não é um casino. A lei não permite qualquer tipo de proibição”, seja a crianças, invisuais ou pessoas com deficiência motora, esclarece Cristina Siza Vieira. Se o cliente insistir, explica, ao hotel não é permitido dizer que não. Ao invés, pode mostrar que não tem quartos comunicantes, menus infantis ou camas extra — “Há formas comerciais de limitar”. Caso a unidade não aceite fazer uma reserva, isso é visto como uma infração. Mas, para a presidente da direção executiva da AHP, “não passa pela cabeça de ninguém levar uma criança a um sítio para maiores de 18 anos. É uma questão de bom senso da família”.