Foi um chumbo no verão e se calhar foi por isso que quase não se dava por ele, não tivesse sido mais um para o rol de chumbos a normas deste Governo. O ano passado em setembro, os juízes do Tribunal Constitucional diziam não às alterações ao Código do Trabalho que mudavam as regras do despedimento por justa causa. Não pesava para as contas do Estado, mas pesava para trabalhadores que tivessem sido despedidos ao abrigo de normas consideradas inconstitucionais. Autoridades contactadas pelo Observador desconhecem casos, só relatados por advogados.

Por partes. O Governo quis facilitar as regras de despedimento no privado e aprovou uma série de alterações ao Código do Trabalho em 2012 que alteravam as regras relacionadas com a extinção do posto de trabalho, com o despedimento por inadaptação e ainda com normas relativas aos contratos coletivos de trabalho e à sobreposição de instrumentos no que diz respeito ao descanso compensatório e à majoração das férias.

Os partidos da esquerda (PCP, BE e Verdes) reclamaram junto do Constitucional e este, no final de setembro de 2013 deu-lhe razão em alguns pontos. Dizia o acórdão que as novas regras para os despedimentos por extinção do posto de trabalho violavam a proibição de despedimento sem justa causa. Isto porque o Governo queria eliminar o critério de antiguidade na escolha dos trabalhadores que poderiam ser despedidos. Na prática, o Executivo dava esse poder de escolha ao empregador. O acórdão foi votado dia 20 de setembro, mas só foi divulgado seis dias depois e nem sequer houve conferência de imprensa.

Além desta norma, houve também alterações ao despedimento por inadaptação. O Governo revogava a norma que obrigava o empregador a provar que não existia outro posto de trabalhado adaptável ao trabalhador, antes de o despedir.

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Ora estas regras estiveram em vigor mais de um ano e terão sido muitos os trabalhadores que foram despedidos de acordo com as normas que foram posteriormente consideradas inconstitucionais. Mas se alguém se queixou ou pôs o Estado em tribunal, nenhuma autoridade sabe.

O Observador questionou vários intervenientes na discussão sobre a lei laboral e as entidades que responderam disseram desconhecer casos que tenham beneficiado com a decisão do TC ou não ter informação disponível. As contas finais sobre o número de trabalhadores que beneficiaram do chumbo é assim impossível de obter, uma vez que não há uma entidade que centralize informação ou, mesmo recorrendo a todos os intervenientes, há instituições que não respondem ou que dizem não ter os dados recolhidos.

O Observador questionou sindicatos, que disseram não ter registo de qualquer queixa tendo como base estas normas. A mesma resposta dada pela Procuradoria-Geral da República, que remeteu para os tribunais do trabalho. Vários tribunais do trabalho (foi enviado email para todos os existentes, mas nem todos responderam) disseram desconhecer casos ou ter dificuldades em fornecer os dados.

No Ministério da Solidariedade e Segurança Social também nada aconteceu e, por último, o mesmo se passou na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). A ACT diz que fez várias ações junto de trabalhadores sobre o caso, mas não identifica nenhum caso: “No que toca à temática alterações ao Código do Trabalho, designadamente, das que foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional, a ACT tem desenvolvido um conjunto de meios e ferramentas que possibilitem cabal conhecimento por todos os agentes económicos (trabalhadores, empregadores e seus representantes, entidades beneficiárias da prestação de trabalho, empresas prestadoras de serviços, parceiros institucionais e sociais, etc), das aludidas alterações nas relações jurídicas laborais abrangidas”.

Resultado: este chumbo não serviu (quase) ninguém.

Ao Observador foram relatados casos pontuais de quem pediu aos tribunais para que o despedimentos fosse considerado nulo, mas nem todos tiveram a mesma sorte: há casos que se encontram ainda nos tribunais superiores a serem avaliados e houve casos em que o pedido foi indeferido, porque além de serem despedidos ao abrigo de normas consideradas inconstitucionais, também o foram por outras normas legais.

Quais os resultados práticos?

A maioria dos trabalhadores que foi despedido ao abrigo destas normas não terá recorrido ou por desconhecimento ou por não querer ser reintegrado, contudo, havia uma terceira possibilidade: o pedido de indemnização. Agora já é tarde.

“Se ainda estivessem a tempo, poderiam pedir a declaração de invalidade do despedimento, porque as normas não valiam, tinham alta probabilidade de que os seus despedimentos fossem considerados nulos: ou eram reintegrados ou teria de lhes ser paga uma compensação”, esclarece o especialista em trabalho, Jorge Leite.  O mesmo especialista diz que há casos de quem tenha “pedido para que se declarasse ilegal” o despedimento, mas que ainda estarão “a ser julgados”.

Se o chumbo não serviu para que quase nenhum trabalhador tenha sido reintegrado ou recebido qualquer indemnização por ter sido despedido por normas consideradas posteriormente inconstitucionais, serviu pelo menos para que a lei fosse alterada.

Por terem sido considerados inconstitucionais, as normas tiveram de ser expurgadas da lei. Mais tarde, foram acertados novos critérios de despedimento por justa causa. Resultado final que ficou no Código do Trabalho. Para escolher o posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve ter em conta os seguintes critérios:

  1. Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;
  2. Menores habilitações académicas e profissionais;
  3. Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
  4. Menor experiência na função;
  5. Menor antiguidade na empresa.