E se, numas próximas eleições, pudesse votar não só em partidos e deputados mas em cadeiras vazias do Parlamento? “Não somos loucos”. É isso mesmo que defende o movimento Partido das Cadeiras Vazias (PCV), que propõe um voto de protesto contra a classe política para “abalar o sistema”. A ideia não é totalmente nova e está ainda em fase de teste. Se houver adesão por parte das pessoas, o PCV quer ser um partido com assento parlamentar. Ou melhor, sem assento parlamentar. Isso mesmo.

São um grupo de jovens “idealistas” e “descontentes” que quando se juntava, nos tempos de faculdade, não falava só de novelas e de futebol. Falava do estado do país e isso assustava-os. De tal forma que os levou a criar algo que desse voz aos que, como eles, estão descontentes. Hoje são cerca de 12 os fundadores e membros ativos, todos na casa dos 30 a 40 anos de idade, e todos com cursos superiores – uns estão desempregados, outros ligados à área da Economia, vendas ou engenharia eletrotécnica. Dizem que vêm do “Portugal real” e que “não têm padrinhos”. Mas estão empenhados em unir esforços para “ver se o charco começa a mexer”.

“Somos aquela gente que sai de manhã para ir para o trabalho, que paga impostos, que tem filhos mas que não vê futuro para eles”, diz ao Observador Isabel, uma das promotoras do movimento, que não quis ser identificada para mostrar que o objetivo não é o protagonismo.

A ideia surgiu de uma conversa de café e da vontade de traduzir a frustração perante a “mediocridade da classe política” em votos. Ou seja, combatendo o sistema a partir de dentro. “Se não se consegue fazer política sem os partidos, e se os partidos vivem constantemente numa teia de interesses, então como faremos com que haja um verdadeiro reflexo do povo na Assembleia?”, questiona Isabel. E a resposta surgiu de forma espontânea, através da criação do movimento: se não os podes vencer, junta-te a eles.

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O primeiro passo foi criar uma página de Facebook, “para ver se mais pessoas pensam como nós”, e para provar que, afinal, “não estamos assim tão loucos”. Foi criada há um mês e meio e ainda só tem cerca de 450 seguidores (‘gostos’). “Se as nossas ideias fizerem sentido para os outros, então avançamos para a recolha de assinaturas para a constituição de um partido”, explica Isabel ao Observador.

A voz do silêncio para fazer refletir

O conceito é simples. O sistema democrático partidário já prevê a possibilidade de os cidadãos descontentes poderem votar em branco, ou nulo, em vez de contribuírem para os elevados níveis de abstenção. Essa tem sido a tendência de voto deste grupo, que ambiciona agora fazê-la chegar à Assembleia da República. Como? Através de cadeiras vazias.

“Se dos votos no Partido das Cadeiras Vazias, resultarem lugares vazios no Parlamento, há menos lugares para os mesmos boys de sempre e, esperemos, os partidos, em face dessa situação, escolherão melhores pessoas para deputados com o intuito de manter as suas cadeiras ocupadas. Se os votos dos descontentes forem traduzidos em menos lugares para o sistema atual, o sistema mudará”, explicam os promotores no manifesto do movimento, acrescentando que isso obrigaria os partidos a serem melhores, por perceberem que “a população precisa de representantes melhores”. O dinheiro, esse, seria distribuído por instituições de solidariedade, propõem.

“O vazio dessa cadeira será a voz dos descontente e dos que não se reveem na atual representação parlamentar. Será a voz silenciosa dos que até aqui votavam branco e nulo e não se viam representados no Parlamento. Será o silêncio para fazer refletir”, dizem.

Para Isabel, que é neste momento a voz da frustração e da indignação do movimento, o “medo maior” é de que a classe atual de políticos seja mesmo o “fruto do que a sociedade consegue produzir”. Isso significaria, diz, que “a árvore está podre”. Mas o movimento das Cadeiras Vazias não quer acreditar que assim seja e não tenciona desistir. “Acreditamos que há gente no mundo real que pode fazer melhor”, diz.

A ideia não é nova e ainda está numa fase embrionária. Já em 2009, antes das legislativas que vieram a reeleger José Sócrates, foi criado o movimento do Partido Nulo como forma de combater a crise de “representatividade” do sistema político, numa ideia que terá partido do escritor Rui Zink. Nessas eleições, a abstenção foi de 40% e os brancos/nulos pouco passaram dos 3%.

Nas últimas eleições legislativas, em 2011, a percentagem de abstenção foi uma das mais altas de sempre e fixou-se nos 41,9%, enquanto a percentagem de votos brancos e nulos foi de 4%. Mas é a essa fatia da população descontente que o movimento das Cadeiras Vazias quer chegar.

Depois da criação da página de Facebook, o segundo passo será a recolha de assinaturas para a formação de um partido. Para isso são precisas 7.500, sendo precisamente essa a meta de ‘gostos’ na internet que levará os promotores do movimento a sair para as ruas para avançar no terreno. Depois disso, o apelo aos votos. Depois, os lugares vazios. É esse o desejo, pelo menos.

“Não sei se vamos mudar alguma coisa, mas sei que a força das palavras já não chega”, remata Isabel.

Mesmo dentro dos partidos, a ideia de cadeiras vazias que represente os votos em branco ou nulos tem vindo a ganhar cada vez mais apoiantes. O ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, é um deles. E em 2011, uma tendência dentro do CDS (‘Alternativa e Responsabilidade’) também propunha, na moção que apresentou ao Congresso do partido, a “atribuição de relevância aos votos em branco na contagem dos lugares (…) no círculo de compensação nacional, que poderia eleger entre 30 a 50 mandatos”. O que significaria, lê-se no texto da moção do ex-dirigente centrista Pedro Pestana Bastos, que “uma proporção de 10% de votos em branco determinaria que entre 3 a 5 cadeiras ficassem vazias no Parlamento”.