Tudo indica que as queixas dos professores relativamente à fórmula utilizada pelo Ministério de Educação e Ciência (MEC) para os concursos de Bolsas de Contratação de Escola (BCE) têm fundamento. Pelo menos é essa interpretação que o Observador e vários especialistas fazem da lei que rege esses concursos e da fórmula adotada pelo MEC para ordenar os professores.

O ponto de partida das dúvidas e protestos dos docentes foi o facto de nas listas aparecerem ultrapassagens de centenas ou milhares de lugares por comparação com as listas nacionais, onde o escalonamento é feito apenas de acordo com a graduação profissional (soma da média final de curso e dos anos de serviço).

O Observador falou com professores e matemáticos, esteve a analisar a fórmula estabelecida pelo MEC, bem como algumas listas de colocação e casos concretos de professores e chegou à conclusão que foi feita uma soma direta entre duas escalas de grandezas diferentes.

A lei é omissa relativamente à fórmula exata que deve ser utilizada. O Decreto-Lei n.º 83-A/2014 de 23 de maio estabelece apenas, no seu artigo 39º, que “são critérios objetivos de seleção” a graduação profissional (soma da média final de curso com o número de anos de serviço) “com a ponderação de 50%” e “a avaliação curricular, seguindo o modelo de currículo definido pela escola, tendo como referência o modelo europeu”. E é tudo.

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Como é que então se interpreta e aplica esta norma? A fórmula estabelecida pelo MEC, de acordo com aquilo que está presente numa nota informativa publicada esta segunda-feira pela Direção Geral da Administração Escolar (DGAE), segue o seguinte critério:

Na graduação dos docentes desta bolsa, foi utilizada uma ponderação direta dos valores dos fatores originais: por um lado a graduação profissional declarada pelos candidatos que contribui com 50% do seu valor para a classificação final e, por outro, a ponderação curricular (que contribui também com 50% do seu valor) obtida através da resposta aos subcritérios definidos pelas escolas e com a ponderação atribuída a cada um deles nos termos do artigo 39º.

Parece claro mas não é. Na verdade o que o MEC fez, pode o Observador confirmar junto de fontes oficiais, foi somar os dois valores e depois dividir por dois. Os resultados constantes das tabelas de ordenamento de docentes, que o Observador também consultou, são coerentes com esta metodologia. E é aqui que começam os problemas.

Como é que se faz uma média?

Na verdade, a graduação profissional está numa escala que começa por ser de base 20 (resultante da nota de licenciatura do docente), mas que na prática é uma escala sem fim, pois a essas médias acrescenta-se o número de anos de docência de cada professor. Ou seja, ao valor de cada média final, obrigatoriamente situado entre os 10 e os 20, somam-se os anos de serviço de cada docente que, para estes universo, não ultrapassarão na maioria dos casos os 10 ou 15 anos.

A escala dos critérios de escola é diferente, indo de 0 a 100. As bases das duas escalas são diferentes – e não se pode somar valores em escalas diferentes sem antes os convertermos à mesma escala. Era como se somássemos quilómetros com milhas, ou graus celsius com graus fahrenheit. Ou seja, para que cada parte da nota de acesso correspondesse a 50% dessa classificação, ambas teriam de ser convertidas à mesma base antes de se somarem os dois valores. Não basta somar tudo e dividir por dois, como se fez para elaborar estas listas.

Neste caso há uma dificuldade adicional: se uma escala é conhecida (os valores variam de 0 a 100), a outra escala não tem máximo conhecido. Há contudo métodos estatísticos que permitiram ultrapassar essa dificuldade – métodos que o Ministério não utilizou.

Ao que o Observador apurou, esta lei já estava em vigor o ano passado e foi então aplicada seguindo este mesmo critério para realizar as listas ordenadas. Porque é que não houve então os mesmos protestos que está a haver este ano? De acordo com as fontes que contactámos isso poderá ter ficado a dever-se ao facto de, então, a escala dos critérios de escola ser de 0 a 10 e não de 0 a 100, como aconteceu este ano. Ou seja, quando se somavam os dois valores, o critério de escola ficava a pesar menos na ordenamento final do que pesou este ano, apenas porque se utilizou uma escala mais pequena. Como consequência disso as alterações no ordenamento dos candidatos por comparação com o ordenamento nacional eram menores, muito menores.

O caso do professor Nuno Meia-Onça

Pode-se compreender melhor o que está em causa olhando para um caso concreto, onde é possível ver como o MEC fez uma soma direta sem converter as escalas.

Nuno Meia-Onça é um professor de Biologia que não ficou colocado e contou ao Observador a sua história. Este professor teve uma média final de licenciatura de 16 valores e o tempo de serviço é de 8 anos e meio. A sua graduação profissional é de 24,5. Dividindo este valor por dois, de acordo com o estabelecido na fórmula, fica com 12,25. Num dos agrupamentos de escolas a que concorreu – Agrupamento de Escolas de Sacavém e Prior Velho – é possível ver que a sua classificação foi de 62.298. Apesar de não saber a pontuação dos critérios de escola, aplicando a fórmula definida pelo MEC, Nuno Meia-Onça conseguiu perceber (subtraindo 12,25 a 62,298) que neste agrupamento específico terá obtido 50,048 nos critérios definidos. Isto significa que a graduação profissional deste professor teve um peso aproximado de 19,7% e que os critérios escolares pesaram 80%. Ou seja, na prática nenhuma das parcelas teve o peso de 50%.

Fernando Zamith, professor de Jornalismo na Universidade do Porto, que enviou um e-mail ao Observador apontando o que considera ser o erro do Ministério da Educação e Ciência, sugeriu que a única forma de corrigir o problema passa por “colocar perto do dobro dos professores, ou seja, dois por cada horário: o que recebeu o e-mail e já aceitou o lugar e aquele que legalmente tem direito ao lugar”.

Ao Observador, Carlos Fiolhais, físico e professor universitário, disse que “se o programa do MEC estiver baseado num erro, é mesmo muito grave porque se está a cometer uma injustiça sistemática, para além da ilegalidade, claro”. “Sendo o ministro matemático, tudo isto é espantoso”, continuou.

Junto de fontes oficiais do Ministério o Observador pode apurar que o critério seguido tanto este ano como ano passado será o suportado pelos consultores jurídicos habituados a trabalhar em concursos na administração pública