O pedido de insolvência da empresa onde Passos Coelho foi consultor está a ser contestado no tribunal do Comércio de Lisboa. Os administradores da Tecnoforma pediram insolvência da empresa em 2012, mas dois anos antes tinham aberto uma empresa gémea, a “Tecnoforma II”. De acordo com um ex-funcionário da empresa, essa sociedade era concorrente da primeira e houve contratos que passaram de uma para a outra. “Eles próprios provocaram a situação”, acusa e sugere a abertura de um processo-crime para analisar a atividade empresarial.

O pedido consta do processo de insolvência que o Observador consultou no Tribunal do Comércio em Lisboa. E deu entrada em março de 2013 – altura em que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) abriu um inquérito para investigar a atividade da Tecnoforma, nomeadamente os contratos de formação conseguidos com apoios comunitários. No âmbito deste processo, o Ministério Público já ouviu, pelo menos, o ex-administrador da empresa, Fernando Madeira. Que, tal como disse à revista Sábado numa entrevista em maio, só abandonou o cargo na administração em 2001.

João Lucas Rosa trabalhou na Tecnoforma cerca de dez anos. E, segundo o processo que pôs contra os atuais donos da empresa, Manuel Castro e Sérgio Porfírio, os salários começaram a falhar em 2004. Não lhe era pago o salário na totalidade ou então os recibos de vencimento não correspondiam aos valores pagos. O funcionário chegou a estar de baixa médica depois de ter sido despedido e de ver recusada uma indemnização.

Na contestação que apresentou, João Lucas Rosa alega que a insolvência – declarada em novembro de 2012 – foi culposa e pediu ao tribunal que a anulasse e que, ao mesmo tempo, pedisse a abertura de um processo-crime paralelo para compreender a atividade da consultora.

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“Após a criação da empresa Tecnoforma II vários contratos inicialmente adjudicados ou a cargo da empresa insolvente foram transferidos e levados a cabo ela primeira, como por exemplo, o contrato de acompanhamento de bolseiros angolanos a estudarem em Portugal, o contrato mais rentável da empresa”

Dentro dos factos que o ex-funcionário alega para a “insolvência culposa” está o facto de as empresas partilharem o mesmo objeto social, os empregados e, até, a sede. Chegam a ser concorrentes nas “adjudicações de vários contratos relacionados com o programa SIADAP [Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública] “, acusa o ex-funcionário.

A contestação ainda não foi decidida, mas o próprio administrador de insolvência nomeado para o processo, João Chambino, considera a “gravidade” de tais factos.

“O desenvolvimento de atividade concorrencial, tanto mais que traduzido na utilização de meios da Insolvente e na transferência de contratos a favor desta, revestem grande gravidade e são suscetíveis de determinar a qualificação da insolvência como culposa”.

No entanto, prossegue, “a prova dos mesmos” só poderá ser fornecida pela própria empresa insolvente, neste caso a Tecnoforma.

BES é credor da Tecnoforma

Entre os 124 credores apurados pelo administrador de insolvência está o Banco Espírito Santo. De acordo com os autos do processo, a empresa onde o primeiro-ministro foi consultor – e agora alvo de polémica por causa de alegados dinheiros não declarados quando Passos Coelho era deputado – ficou a dever mais de 300 mil euros ao então banco de Ricardo Salgado. O valor refere-se a dois contratos de empréstimo em conta corrente: um de 52 mil euros e outro de 251 mil euros, acrescidos de juros.

Entre os credores há mais bancos, como o BCP ou o BIC. Há, também, organismos públicos, várias agências de viagens, uma sociedade de advogados e diversos formadores. As dívidas contabilizadas pelo administrador de insolvência ascendem aos 2,4 milhões de euros. Mas a Tecnoforma contesta e só reconhece 1,33 milhões de euros, que tenciona pagar dentro de um plano de recuperação.

A Tecnoforma faturou 5,6 milhões de euros em 2009, 3,1 milhões no ano seguinte e um valor semelhante em 2011. Ainda sim considera-se incapaz de proceder a vários pagamentos. E, na petição inicial, explica porque pede a insolvência:

“A Tecnoforma é uma empresa com futuro, mas está a sofrer indiretamente as consequências da falta de pagamento dos seus clientes e na redução drástica motivada pela atual conjuntura económica nacional e europeia. (…) [Pretende] recorrer ao processo de insolvência para reestruturar-se”.

A sociedade tem 13 empregados e dois administradores. Até final de 2012 estimava, ainda de acordo com a petição inicial, receber 490 mil euros proveniente de projetos em curso. A sociedade tem contra si ações instauradas no valor de 310 mil euros. A juíza declarou-a insolvente em novembro de 2012.