Ted está isolado no meio da multidão, mergulhado num pequeno livro, ao mesmo tempo vai estudando as informações das folhas espalhadas nos balcões ali ao lado. À volta um burburinho constante, risos, conversas soltas, música ambiente. Ted mantém o rosto fechado de quem não pode falhar, de quem não quer fazer uma má aposta, é preciso escolher bem o cavalo em que vai investir. Pergunto-lhe o que o faz decidir. “Um nome cativante, em primeiro lugar. Mas não decido nada sem os ver primeiro. De qualquer forma, nunca aposto mais de £2.”

© Tiago Figueiredo

Vai então ao ‘Parade Ring’, a pista miniatura que integra o ‘Paddock’, onde todos os cavalos desfilam minutos antes do tiro de partida. Quem os guia é o tratador com quem os cavalos lidam diariamente durante os treinos e manutenção.

“Nesta volta vejo o tónus muscular de cada cavalo e se existem sinais de nervosismo. Se o cavalo estiver a suar é melhor nem apostar nele.” E o olhar, indica alguma coisa sobre o nível de concentração do cavalo, pergunto. “Nunca tinha pensado nisso, mas vou passar a ter em conta. Obrigado pela dica!” Ted quer confirmar o que se diz do ’Secret Brief’ mas a chuva que cai incessantemente acaba por o afastar antes de o cavalo com o nº 11 no dorsal fazer a volta de apresentação. Ted recolhe-se e os cavalos encaminham-se para a pista.

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Mesmo assim, decide arriscar. Cada cavalo, montado pelo ‘jockey’, alinha-se no seu lugar na linha de partida. ‘Secret Brief vence sem dificuldade nem surpresa. A aposta era segura.

© Tiago Figueiredo

Nas bancadas que vão dar à pista, onde se concentra a maioria dos espectadores, destaca-se um grupo de homens. Darren é o folião do grupo, um dos mais velhos, empresário. Pede-me para os fotografar e convida-me para a despedida de solteiro de um deles – a razão de estarem todos com boné igual -, nessa noite, num pub a 50 milhas de Newmarket. Garante que haverá mulheres, fazendo o gesto de seios volumosos com as mãos. Só por extremo cansaço e pela distância recuso o convite. Como recuso as várias rodadas de cerveja que me oferecem. “Desculpem, eu aceitaria com prazer, juro, mas estou de mota e ainda preciso de trabalhar hoje.”

Darren anuncia com entusiasmo que vai apostar £200 em ‘Fintry’, um cavalo irlandês, vencedor das quatro últimas corridas em que participou. Espera até ao último momento, aguardando a melhor oferta existente nos ‘bookies’ disponíveis em frente à bancada.

© Tiago Figueiredo

Aproxima-se Paul. Darren pergunta-lhe em qual apostar. Paul nem precisa de olhar para jornais ou programa da corrida. “’Integral’, sem dúvida. Vai ganhar de certeza absoluta.”

Paul é apostador profissional em corridas de cavalos há 25 anos. As emoções estão arredadas do jogo. Conhece cada cavalo, cada equipa, treinador ou ‘jockey’. Assiste aos treinos durante a semana, acompanha as curvas de evolução de cada concorrente e sabe quais estão próximos de um pico de forma. “As probabilidades aumentam muito quando se conhece profundamente este mundo“, garante. Pergunto que conselho daria a quem pretende fazer das apostas um modo de vida. “Fica cinco anos a seguir as corridas sem apostar uma libra. Vai ver os treinos, lê tudo o que se escreve sobre as corridas. Não apostes para ganhar, aposta sempre em ‘Each Way’.”

É como ter um seguro. Nas apostas ‘Win Only’ aposta-se num cavalo para ganhar. Se ficar em primeiro, o dinheiro apostado é multiplicado pela razão de probabilidade que cada casa de apostas estipula. Apostando na versão ‘Each Way’, o retorno da aposta é menor, mas o ganho está garantido, caso o cavalo apostado fique nos três primeiros lugares.

© Tiago Figueiredo

Apesar dos conselhos de Paul, Darren insiste no palpite em ‘Fintry’. Aproxima-se de um guichet de apostas a menos de um minuto de fecharem, mas quando se prepara para dizer o número do cavalo e entregar o dinheiro, o sistema fecha. Um cavalo parte antes de todos os outros. Percorre a milha de distância sem ‘jockey’. Jimmy Fortune, um irlandês de 42 anos e 57kg de peso, não conseguiu suster o nervosismo de J Wonder e caiu antes mesmo da partida. Apostas suspensas, plateia incrédula, rompendo em aplausos e gargalhadas quando J Wonder cruza a linha da meta sozinho. Nova ronda de apostas, Darren avança, entrega as 200£ e recebe o comprovativo. Paul faz o mesmo, em ‘Integral’.

O tiro de partida é dado. Fintry começa bem, destaca-se, mas na reta final é ultrapassado por ‘Miss France’ e ‘Integral’. O entusiasmo da bancada é dividido entre quem exulta com a vitória do cavalo inglês e quem vê o dinheiro apostado ficar para trás. ‘Integral’ termina em primeiro lugar. Paul festeja efusivamente, Darren observa o talão que agora nada vale. “Mesmo assim, estou com um saldo positivo de £700.”

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Paul confirma os dotes de apostador, mas nem tudo se resume a saber em quem apostar. Esperando mais uma vez até ao limite para conseguir as melhores cotações para um cavalo, dirige-se a um guichet vazio. Desta vez vai fazer uma aposta de risco, com apenas 30£ num nome desconhecido. Diz quanto aposta e em que número, mas ao tirar o dinheiro do bolso, atrapalha-se e as moedas caem no chão. A funcionária do guichet pede para se apressar. Paul diz para aceitar a aposta, a funcionária responde que só a pode aceitar com o dinheiro na mão. Faltam 10 segundos. Paul procura a carteira dentro do casaco. Nervoso, enquanto pragueja, a carteira prende-se e resiste. O tempo passa e as apostas fecham. A funcionária repete que as regras das apostas são assim e Paul retira-se resignado.

Jade parece uma figura deslocada na zona de ‘bookies’ junto à bancada térrea. Olha para as ‘odds’ – as diferentes probabilidades que cada ‘bookmaker’ atribui aos participantes na corrida, que surgem inscritas em placards eletrónicos, ouve a mãe dar opinião, reage às sugestões. Decide-se finalmente por uma das casas de apostas e deixa £2 no ‘Aloft’.

© Tiago Figueiredo

Jade assiste às corridas com a família e amigos no balcão, uma zona mais cara onde o não cumprimento do ‘dress code’ pode impedir a entrada. Festejam o aniversário de uma amiga irlandesa que está de visita a Cambridge, onde moram. “Não percebo nada de corridas”, confessa. “Foi o meu namorado que escolheu este cavalo, por ser irlandês, com um jockey irlandês, em honra à nossa amiga aniversariante.”

Jade prefere as corrida feitas “numa outra pista próxima, menos ‘posh’, sem bancadas distintas por preços”. Torna-se mais divertido quando não existe diferenciação de públicos pelo preço do bilhete? “Sem dúvida. Nem vou pelas corridas, gosto da música e das animações de feira. Todo o ambiente é outro.”

© Tiago Figueiredo

Quando me apresento a Carol, mais uma vez junto aos ‘bookies’, sou surpreendido com um “Muito prazer” em português. Carol viveu vários anos na Praia da Luz, no Algarve, onde teve um restaurante. Voltou para Inglaterra pela família. “Venho às corridas de cavalos apenas para me divertir, mas não perco muito tempo a estudar o assunto.” Quais os critérios para apostar? “Gosto de cinzento e este cavalo é cinzento. O treinador é o mesmo de um cavalo em que apostei há dois anos. Superstição.”

Na altura, mesmo com todas as hipóteses contra ele, 33-1 (cada libra apostada rendia 33), arriscou. “Gostei do nome dele. A corrida começou e o favorito partiu em primeiro, mas nos metros finais o cavalo em que apostei ultrapassou todos e ganhei uma fortuna. Um amigo com quem fui nesse dia, e que apostou no favorito, ficou sem me falar durante uma semana!” A superstição de Carrol não resultou desta vez e o cavalo apostado ficou em 7º.

Clarence foi-me apresentado há três corridas por Darren, o folião da despedida de solteiro, que lhe gabava a aparência física forte apesar dos seus 72 anos. Reencontro-o junto ao ‘Parade Ring’, onde observa atentamente os cavalos da última corrida que desfilam antes de entrar na pista.

© Tiago Figueiredo

Saúdo-o. Não se lembra de mim, felizmente. Aproveito para lhe perguntar novamente o nome. “Clarence”. Mas os teus amigos chamavam-te Junior, não é? “Fui pugilista e era conhecido por esse nome, mas prefiro que me trates por Clarence.” O tema do boxe interessa-me e pergunto-lhe por clubes com carisma no percurso da minha viagem. Pede-me um minuto para ver os cavalos no ‘paddock’. De repente, receio que o minuto de conversa que lhe tomei possa ter prejudicado a avaliação que estava a fazer antes de apostar. Parece preocupado.

Depois de feita a aposta, junta-se a outro amigo da mesma idade. Clarence apresenta-me. Fico impressionado com o aperto de mão forte que tem. “Forte é o Clarence. Devias tê-lo visto lutar! Fez 83 combates em toda a carreira!” Pergunto a Clarence se aposta na modalidade ‘Win Only’ ou ‘Each Way’. “Sempre para ganhar. Não é provavelmente a maneira mais correta de apostar, mas quando se ganha, ganha-se a sério.”

© Tiago Figueiredo

O cavalo de Clarence perde. O amigo ganha 350£ nesta aposta. Clarence parece cansado, de repente. Não sei quanto apostou. As corridas terminaram, as bancadas vão esvaziando aos poucos. Clarence ainda olha para a pista. Passa por nós alguém que diz “Don’t bother. It’s just money”. Clarence expira vagarosamente e responde, “yeah… it’s just money”.

 

Agradecimento ao The Jockey Club e em especial ao Mark Dwyer que me permitiu generosamente aceder ao The Rowley Mile sem quaisquer burocracias. Agradecimento também ao Mark pela oferta da camisa de colarinho, necessária para cumprir o protocolo de dress code imposto pelas corridas.

Tiago Figueiredo publica também #doladoesquerdodaestrada em tiagofigueiredo.com e instagram.com/tiagofigueiredo

A viagem de dois meses que faz no Reino Unido e Irlanda é apoiada por

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