Um norte-americano em Paris, seduzido pela literatura inglesa de outros tempos. Shakespeare and Company é, muito provavelmente, a livraria independente mais famosa do mundo, escreve a Vanity Fair na edição de novembro. Virada para o Sena, em Paris, está a uma escassa distância do Quartier Latin. Um conjunto labiríntico de salas e prateleiras cheias de livros ocupam um edifício do século XVII, na margem esquerda do rio, rive gauche, com vista para Notre Dame, de um lado, e para a rua Boulevard Saint-Germain, do outro.

A loja abriu as portas em 1951. Foi o norte-americano George Whitman a dar a volta à fechadura, o mesmo que ficaria atrás do balão (isto é, do negócio) por 60 anos. Mas importa recuar ainda mais no tempo: o nome Shakespeare and Company deriva da lendária livraria parisiense de Sylvia Beach dos anos 1920 e 1930 — por onde passaram pesos pesados da literatura, como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald — e que viria a fechar durante a ocupação Nazi numa altura marcada pela segunda Grande Guerra. Não obstante, o negócio de Whitman foi primeiramente batizado de Mistral e só em 1964 o nome atual passou a ocupar o letreiro de grandes proporções que “olha” de frente para todos os transeuntes.

A Shakespeare and Company nunca foi uma livraria normal. Durante décadas, Whitman permitiu que escritores dormissem sob o seu teto. Em troca, eram convidados a ler um livro por dia e a dar algumas horas de trabalho à casa — contam-se cerca de 30 mil aspirantes a escritores que foram pernoitando na loja, espalhando-se como podiam pelo espaço disponível. Foi o caso de Robert Stone, que escreveu parte do romance “A Hall of Mirrors” na loja no início da década de 1960. O “apetite” literário estendeu-se a outros domínios da arte: até o ator Ethan Hawke dormiu ali cinco a seis noites quando tinha apenas 16 anos e também o cantor Frank Sinatra nutria um especial carinho pela livraria.

Gerações mais recentes de escritores já ligaram, entretanto, o seu nome à livraria: como Martin Amis, Dave Eggers, Carol Ann Duffy, Paul Auster, Philip Pullman, Jonathan Safran Foer, Jennifer EganDarin Strauss e Helen Schulman. “E a lista continua”, escreve o jornalista Bruce Handy da publicação já referida, que conta ainda que o escritor norte-americano Nathan Englander chegou a casar-se aí em 2012 — uma estreia no estabelecimento.

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Whitman era um homens de negócios como poucos, não tinha por hábito preocupar-se com dinheiro — era conhecido por usar um único casaco durante décadas. A questão financeira entrava em cena apenas quando se tratava de aumentar a loja, esta que conheceu um percurso de vida ascendente, passando de uma sala no rés-do-chão para tantos outros andares. Hoje é uma instituição, diz a Vanity Fair.

Depois do património assegurado, o dono da livraria viria a morrer em 2011, apenas dois após completar 98 anos. Para trás ficou a memória da sua personagem, além de uma coleção de papéis — uma espécie de arquivos acumulados em pilhas e pilhas, entre os quais se encontram cartas, documentos, fotografias e até dinheiro (dólares, francos e euros). Atualmente, o desafio de manter a livraria de porta aberta está nas mãos da filha, Sylvia. Aos 33 anos, é a ela quem compete a missão de modernizar o negócio sem defraudar a essência original. Entre as inovações incluem-se a criação de um site e o serviço de encomendas online, mas também a oferta de café e sessões de leitura.

Diz o Los Angeles Times que Whitman encarava a livraria como se de uma obra de arte se tratasse e via em Sylvia a continuação de um legado. A 1 de janeiro de 2004, escreveu uma nota na loja, através da qual passou a “tocha” — metaforica e literalmente — para a filha. “Em vez de ser um livreiro fidedigno, eu sou mais um escritor frustrado. Esta loja tem salas como capítulos num romance e o facto é que Tolstoi e Dostoyevsky são mais reais para mim do que os vizinhos do lado… (…) Eu tenho feito isto [cuidar da livraria] nos últimos 50 anos. Agora é a vez da minha filha“.