Já estava impressa, mas não chegou a circular. O diretor do Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa, José Luís Cardoso, impediu que o número 212 da revista Análise Social – revista de referência na área das ciências sociais – fosse posto em circulação, em nome do “bom nome” da revista e da instituição.

Em causa, explicou José Luís Cardoso ao Observador, estava um “ensaio visual” de seis páginas do sociólogo Ricardo Campos, “não submetido à arbitragem científica”, que continha um “conjunto de imagens que do meu ponto de vista, enquanto diretor do ICS, são ofensivas e que punham em causa o bom nome e a reputação institucional do ICS porque não são enquadradas”. Para além disso como usava “de forma abusiva o nome de pessoas”.

análise social

Última das seis páginas do ensaio visual que constava do número da revista Análise Social, do terceiro trimestre

O ensaio continha fotografias de graffitis espalhados pela cidade de Lisboa que serviriam, segundo a direção editorial, para refletir “a frustração popular contra o grande capital e as políticas de ‘austeridade’ em vigor na União Europeia”. E este tipo de ensaio visual era uma inovação editorial que, explicou o investigador, dispensava a arbitragem científica – processo através do qual, nas revistas académicas como a Análise Social, se avalia a qualidade dos artigos propostos para publicação. O diretor do ICS considerou o conteúdo dessas páginas “ofensivo”.

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Em reação à decisão do diretor do ICS, num e-mail a que o Observador teve acesso, o diretor e o conselho redatorial cessantes da revista “discordam profundamente deste ato, que associam a um gesto de censura” e a um “ato de ingestão [sic] sobre a isenção científica” da revista, defendendo que “o texto que acompanha o ensaio é por demais explícito sobre a sua natureza sociológica”.

José Luis Cardoso recusa aceitar que tal se trate de “um ato de censura”, mas antes “um ato de gestão”, reiterando que a revista “continua a ser um espaço onde a liberdade académica é sagrada”. Mas “a Análise Social não é um blogue, nem é uma revista de difusão de textos de opinião não fundamentados”, reafirma o investigador, lembrando que “a responsabilidade editorial” da revista é do diretor do ICS, ou seja, do próprio.

Agora a revista será objeto de um arranjo gráfico, para retirar o dito ensaio, e deverá ser posta em circulação dentro de duas semanas. Este foi o último número da responsabilidade da atual equipa cessante (João de Pina-Cabral, Catarina Fróis, Helena Jerónimo, José Neves, Pedro Ramos Pinto e Renato do Carmo). José Luis Cardoso não sabe dizer ao certo quando assumirá funções a nova equipa, mas será para breve. O novo diretor foi escolhido no início deste mês: José Manuel Sobral, investigador do ICS.

O diretor do ICS, que assumiu o cargo há menos de meio ano, recusa-se “a atribuir especial significado” a este episódio neste momento, em que o diretor e o conselho redatorial dos últimos três anos e meio estão de saída. O investigador não tem presente outro momento em que a revista tenha sido retirada de circulação no passado.

A Análise Social é a revista académica de referência na área das ciências sociais em Portugal. Publicada ininterruptamente desde 1963 num regime trimestral, é especializada nos campos da antropologia, história, ciência política e sociologia. Fundada por Adérito Sedas Nunes, considerado o pai das ciências sociais em Portugal, foi dirigida por vários nomes de referência da academia portuguesa, como Manuel Braga da Cruz, Manuel Villaverde Cabral e António Barreto. Com publicação também em inglês, a revista orgulha-se do “rigoroso sistema de arbitragem científica”, como se lê no site, e tem também o arquivo atualizado em pdf dos muitos números publicados.