Diminuir a quantidade de líquidos e sólidos nas naves espaciais e, consequentemente, diminuir o peso a bordo é um dos objetivos dos engenheiros espaciais – cada quilograma enviado para o espaço pode custar cerca de 20 mil euros. Beber urina ou usar fezes como combustível podem estar entre as soluções encontradas.

Água e energia são dos bens mais preciosos quando se embarca numa missão espacial. O combustível tem de ser calculado para ida e volta, sem muita margem para desvios, porque quanto maior a quantidade, mais peso tem a nave. Mas o que haverá no espaço que possa ser convertido em alimento para os motores? O próprio lixo e desperdícios produzidos pelos astronautas.

Normalmente todos os restos da atividade humana no espaço são acumulados e posteriormente enviados para a Terra em veículos criados para o efeito, que ardem ao entrar na atmosfera. Mas a NASA (agência espacial norte-americana) quer encontrar uma solução que possa servir para dar um fim diferente ao lixo que é produzido durante missões espaciais de longa duração, onde se produz muito lixo, como a próxima missão espacial à Lua – que inclui uma unidade habitável montada no planeta de 2019 a 2024.

Os restos de comida e as embalagens alimentares podem ser degradados para produzir metano.

A investigação foi desenvolvida por Pratap Pullammanappallil, professor de Engenharia Agrícola e Biológica na Universidade da Florida, nos Estados Unidos, que espera que este projeto venha a ter aplicabilidade não só no espaço, mas também na Terra. “Poderia ser usada no campus [universitário] ou na cidade, ou em qualquer sítio, para converter desperdícios em combustível”, refere em comunicado de imprensa o professor.

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Acumular lixo na superfície lunar não é opção e enviar todos os resíduos produzidos na unidade habitável também não parece viável, por isso a NASA lançou um desafio à Universidade da Florida para encontrar soluções. “Tentámos descobrir quanto metano podia ser produzido a partir da comida que não foi ingerida, de embalagens alimentares e de dejetos humanos”, disse Pratap Pullammanappallil. “É possível produzir metano suficiente para voltar da Lua”, conclui o professor, acrescentando que o metano produzido pode ser usado como fonte de energia para foguetões, diminuindo quantidade de combustível enviado a partir da Terra.

Valorizar os desperdícios

Quando as bactérias anaeróbias (que não dependem de oxigénio) degradam os detritos produzem metano, mas também dióxido de carbono e água não potável. Esta água pode ser dividida nos elementos que a compõe: oxigénio de reserva para os astronautas e hidrogénio, que quando combinado com o dióxido de carbono origina mais metano e água. Pratap Pullammanappallil e Abhishek Dhoble, agora aluno de doutoramento na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, verificaram que o lixo produzido por cada equipa de astronautas podia ser convertido em 290 litros de metano por dia.

Além das fezes, tanto os astronautas como os restantes humanos em Terra eliminam urina. A valorização da urina também pode trazer vantagens tanto no espaço como na superfície do nosso planeta. Um consórcio que inclui a Universidade do Minho como parceiro universitário pretende produzir eletricidade e fertilizantes a partir da urina, desde que seja separada dos restantes efluentes domésticos. A Agência Espacial Europeia (ESA) já se mostrou interessada em integrar este projeto em zonas de acesso remoto onde o acesso a energia é difícil e onde os sistemas de saneamento alternativo são valorizados.

A água é um recurso precioso.

Locais remotos, na Terra ou no espaço, podem ter escassez de outros bens essenciais, como água. Produzir água a partir da urina é um sistema comum na Estação Espacial Internacional desde 2008. E bastante útil caso se pense numa missão espacial longa. Sem um sistema que reciclasse a urina, a água constituiria 80 a 90% do peso de uma nave espacial que levasse pessoas para Marte, disse ao Science News Sherwin Gormly, investigador no centro de investigação tecnológica Desert Toad Water em Carson City (no Nevada, Estados Unidos).

A urina é um recurso virtualmente inesgotável, porque produzimos mais 50% de urina do que a água que ingerimos – expelimos a água que que bebemos, mas também da água libertada pelos alimentos e pelo funcionamento das nossas células. Com o sistema apresentado em abril deste ano por Eduardo Nicolau, analista químico da Universidade de Porto Rico, não só a urina era reciclada em água, como já acontece na EEI, também os restantes componentes das águas residuais podiam ser convertidos em energia.