Uma vez escrevi no Expresso que achava verosímil falar de Fernando Medina no futuro. Foi há mais de dois anos, o jornal comemorava os seus quarenta anos e Ricardo Costa pedira-me que olhasse para a frente e visse quem lá estava. Pareceu-me ver António Costa e entrever Medina e escrevi sobre ambos. O primeiro porque sim, o outro porque incutia confiança.

Fernando Medina Maciel de Almeida Correia nasceu no Porto, em Março de 1973, numa casa onde o debate político era como a água nas torneiras: corria… Teve sorte: “cresceu por entre grandes diferenças na forma de olhar o país e o mundo”.

Os debates domésticos desaguaram naturalmente nas habituais rampas de lançamento de jovens promissores com queda pelo ardor cívico: primeiro foi a presidência da Associação de Estudantes, depois, a liderança da própria Federação. Seguiu-se o curso Economia, o mestrado em Sociologia Económica, mas não ainda o PS. O rapaz entrou pela porta grande: António Guterres então chefe do Governo, chamou-o para S. Bento como adjunto em áreas que “eram do seu interesse”: Educação, Ciência e Tecnologia. Dois anos depois, após Guterres ter saído pela esquerda baixa e Sócrates ter aterrado pela esquerda alta, Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, faz de Medina o novel secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional. Frequentando com assiduidade a Concertação Social, quem com ele privou do outro lado da barricada governamental, lembra-se de Medina como “ bom parceiro”: “trabalhava bem os dossiers”, “não dizia banalidades”. Devolvendo sempre, coisa rara, chamadas telefónicas e mails…Boas maneiras.

Contrariando expectativas que dentro e fora do PS o catapultavam para ministro após as eleições de 2009, Fernando Medina assume a secretaria de Estado da Industria e Desenvolvimento. Mas já os ventos rondavam. Ele lembra-se: “a crise tornava a ação governativa muito difícil”. Subentendido: longe pareciam esse “aliciantes” dias de concretização de medidas que “iam na direção certa e alinhados com as necessidades do país”…

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O facto de pertencer a uma geração que chegara à vida ativa quando já resolvidas as questões da liberdade e da democracia; de ser filho da geração “mais qualificada de todas…” pusera-lhe, desde cedo, a mochila da responsabilidade às costas: tratava-se de fazer bom uso da parábola dos talentos e a “diferença” de Medina é ter percebido isso e tentado agir em conformidade: no 1º governo, aplicou a parábola (e os talentos) concretizando reformas (Segurança Social, Código de Trabalho, Novas Oportunidades, Salário Mínimo); depois a maionese talhou, mas a experiência tornara-lhe mais claro o ‘sítio’ dos nossos atrasos estruturais:

“O problema do país não é o nosso Portugal ‘moderno’, mas o facto dele ser muito pequeno: face ao restante e face às expectativas. Infelizmente esta visão tende a ser marginal, seja nas elites, seja no debate publico…”

Voltou ao Parlamento em 2011, foi vice da sua bancada, interveio, produziu papeis, nasceu o primeiro filho. Escapava-lhe porém o piano que teria gostado de voltar a tocar: por “insistência da avó”,  completara o curso cujos segredos e prática entretanto esquecera. “Com pena”. Mas voltou ao ténis enquanto a sociedade civil continuava a confiar, requisitando-o para comissões, conselhos, associações. Dir-se-ia que um dia o futuro faria o mesmo e fez: um belo dia, o homem dito o mais desejado pelo Partido Socialista e que nesta ocorrência era também presidente da Câmara de Lisboa, faz-lhe um inesperado convite: ser o seu número dois na lista para a autarquia da capital à qual António Costa se recandidatava nesse outono de 2013.

Curiosamente, o convite teve uma repercussão menor que a sua indisfarçável importância política: com a escolha de Fernando Medina o presidente da Câmara não só sinalizava que não ficaria até ao fim, como de caminho assegurava que o leme de Lisboa continuaria em mãos socialistas (o até aí número dois Manuel Salgado, sendo de esquerda de nascença, nunca se filiou no PS).

Costa também sabia que Medina estava infeliz no Parlamento. Eleito na lista de José Sócrates, para além de ter agora dois pouco amados “chefes” – Seguro no Largo do Rato e Zorrinho na bancada parlamentar – discordava com uma veemência discreta da condução estratégica do seu partido: “ Já quase nada fazia sentido, estava meio decidido a sair”

Apesar do desconsolo com que se sentava no Parlamento, teve um privilegio. O facto de integrar a Comissão de Acompanhamento da troika, dispensou-lhe intermediários: era ao vivo e em direto que se ia apercebendo da doença do país. Discordando embora das medicinas seguidas, reteve porém o “registo politico civilizado” dos seus diálogos com Vítor Gaspar. (Sabe-se hoje que o mesmo Gaspar lhe pagava da mesma moeda.)

Apanhado “totalmente desprevenido” pelo convite de Costa, apesar da relação “próxima” entre os dois, Medina foi veloz na resposta.

É natural: António Costa sabia duas coisas quando o convidou: que ele gostava do serviço público e acreditava em si e no que fazia. E Medina sabia outras duas: que “o convite trazia implícito que aquele último mandato autárquico do Presidente da Câmara talvez não fosse até ao fim. E nesse caso iria ser necessário “assegurar politicamente a transferência da Câmara.”

Diz quem sabe que não está a sair-se mal da tarefa: Medina gosta das coisas que faz e gosta ainda mais de saber fazê-las. Resta saber como reagirá este homem de palavra se um dia se proporcionar que António Costa o convide para se sentar num Conselho de Ministros presidido por si. Medina ri: “ Esse é o risco e até já gracejámos os dois com isso….”