“Até meados de junho, a Relógio D’Água vai editar quatro obras de José Cardoso Pires, contribuindo assim para o regresso às livrarias de um dos mais importantes prosadores portugueses do século XX”, disse fonte da editora. “Os livros reproduzem as últimas edições revistas pelo autor”, mas têm novos prefácios: o romance “Balada da praia dos cães” será prefaciado por António Lobo Antunes, a novela “O anjo ancorado”, por Mário de Carvalho e, “O delfim”, por Gonçalo M. Tavares.

“De profundis, valsa lenta”, obra de caráter autobiográfico publicada originalmente em 1997, também se encontra no lote dos quatro primeiros títulos a editar pela Relógio d’Água, e “mantém o prefácio inicial de João Lobo Antunes”. Em outubro próximo, mês em que o autor de “Alexandra Alpha” faria 90 anos, “será promovida uma iniciativa destinada a reunir todos os que desejem celebrar a vida e obra de Cardoso Pires”, segundo a mesma fonte da Relógio d’Água.

O editor João Amaral, das Publicações D. Quixote, que detinham os direitos da obra de Cardoso Pires, confirmou à Lusa a saída do autor do seu catálogo, por decisão das herdeiras. “Fiz tudo o que podia fazer pela obra de Cardoso Pires, e é um autor em que nada me pesa na consciência”, disse Amaral à Lusa. “As herdeiras escolheram outra editora”, afirmou, acrescentando que estas tiveram em conta a edição em formato de livro de bolso da obra do autor, que “foi uma experiência que não correu bem”. “Os títulos mais conhecidos de Cardoso Pires venderam, os outros nem tanto”, referiu.

“Apesar do esforço grande feito, apesar do empenho de amigos de Cardoso Pires como António Lobo Antunes ou Júlio Pomar, não houve uma grande adesão”, acrescentou o editor. João Amaral disse à Lusa que as Publicações D. Quixote ficam com todos os títulos editados no formato de livro de bolso e o livro infantil do autor, “O conto dos chineses”.

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Natural de uma freguesia de Castelo Branco, São João do Peso, onde nasceu a 02 de outubro de 1925, Cardoso Pires viveu a maior parte da sua vida em Lisboa, cenário da maioria dos seus romances.

Ao longo da carreira literária, recebeu o Prémio Camilo Castelo Branco, em 1963, pela obra “O hóspede de Job”, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), em 1982, por “Balada da praia dos cães”, os Prémios Pessoa e D. Dinis, em 1996, por “De profundis, valsa lenta”, e, em 1998, o Prémio Vida Literária da APE.

Foi ainda distinguido com o Prémio Internacional União Latina (1991), o Astrolábio de Ouro do Prémio Internacional Ultimo Novecento, de Pisa (1992) e o Prémio Bordalo de Literatura da Casa da Imprensa (1994 e 1997). A Associação dos Críticos do Brasil distinguiu o romance “Alexandra Alpha”, em 1988. As suas obras foram traduzidas para várias línguas, e foram objeto de adaptações teatrais, radiofónicas e cinematográficas.

A editora Relógio D’Água atesta que José Cardoso Pires “é um dos grandes contistas e romancistas portugueses do século XX, ao lado de Aquilino Ribeiro, Agustina Bessa-Luís, Vergílio Ferreira e José Saramago”. “Nas suas obras anteriores a abril de 1974, e para usar as palavras de Antonio Tabucchi, contou ‘como nenhum outro escritor português soube contar a infelicidade e a solidão’, ‘a solidão do indivíduo, mas também a de uma sociedade, de um país inteiro'”, destaca a Relógio D’Água.

Em “Corpo delito – na Sala de Espelhos”, peça de teatro originalmente publicada em 1980 pela antiga editora Moraes, Cardoso Pires analisa a ditadura e o impacto da repressão, no carater de perseguidos e de perseguidores, como numa “sala de espelhos”.

A editora que doravante irá ser a chancela dos títulos de Cardoso Pires, realçou à Lusa que “a sua obra foi estudada de modo sistemático por críticos como Alexandre Pinheiro Torres, Maria Lúcia Lepecki e Óscar Lopes”.

A Relógio d’Água afirma que, em “Os caminheiros e outros contos” (1949) e “nas suas outras obras iniciais surgidas no pós-guerra de [1939-45], José Cardoso Pires foi um dos raros escritores portugueses que integrou as influências de Hemingway, Steinbeck, John Dos Passos e Faulkner, num universo próprio”.

“Embora a sua obra se insira nas melhores tradições do realismo, nunca se deixou limitar pelas baias do neorrealismo, como mostra Mário Dionísio no extenso prefácio que escreveu para ‘O anjo ancorado'”, afirma a editora. Segundo a Relógio D’Água, “a partir do romance ‘O delfim’ (1968), Cardoso Pires afirmou-se um dos grandes prosadores portugueses, e dos que melhor soube trabalhar a nossa língua”.

“A obra final de Cardoso Pires, ‘De profundis, valsa lenta’ (1997), narrativa de um seu Acidente Vascular Cerebral (AVC), revela também que foi um desses escritores capaz de permanecer escritor em todos os momentos da sua vida”, rematou a editora.