Pode parecer um contrassenso, mas há dados que sugerem que os jovens adultos, que correspondem à geração Y ou milénio, não são assim tão promíscuos como inicialmente se poderia pensar. Um novo estudo afirma que quem nasceu nas décadas de 1980 e 1990 tem menos parceiros sexuais do que os próprios pais, mesmo que os mais novos sejam mais tolerantes à ideia do sexo antes do casamento.

A pesquisa em questão foi publicada na revista norte-americana Archives of Sexual Behavior e teve por base mais de 30 mil pessoas residentes nos Estados Unidos da América. Não é só a amostra que corre o risco de surpreender, mas também as conclusões. Tendo em conta uma complexa análise estatística, os autores projetaram o número de parceiros sexuais que a geração Y terá quando chegar à meia-idade, isto é, uma média de oito. O número é inferior ao dos chamados baby boomers (quem nasceu a partir de 1950), que ronda os 11 parceiros.

Menos companheiros sexuais não significa, porém, valores mais conservadores. O inquérito realizado mostra ainda o crescimento da tolerância face a vários comportamentos sexuais — em 1970, 27% dos norte-americanos concordava que ter sexo antes do casamento não tinha nada de errado, um valor que passou para os 55% já na presente década. A evolução é maior se se olhar para as opiniões de jovens adultos em cada geração: quando os baby boomers tinham entre 18 e 29 anos, 47% deles aprovava as relações sexuais antes de subir ao altar; já na geração milénio, a fasquia subiu para os 62%.

Amor ou Carreira? Uma questão de prioridades

Esta é a geração em que tudo acontece de repente, no imediato. Há aplicações para conhecer pessoas e as redes sociais permitem agora uma comunicação regular independentemente das distâncias físicas. A isso acrescenta-se a sociedade em que vivemos, cada vez mais sexualizada muito por culpa de videoclips sensuais e de Kim Kardashians que ascendem à fama através de sex tapes. Então, porque tem esta geração menos parceiros sexuais do que a anterior?

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“Não colocaria a tónica numa inversão de valores, mas sim numa consciencialização do que queremos para nós e para o futuro”, argumenta Débora Água-Doce. A psicóloga não hesita em explicar as diferenças entre as duas gerações em causa: se, por um lado, os baby boomers foram educados para ter uma família, o que fez da procura por uma relação algo constante, a geração milénio está virada para o bem-estar. “Os jovens da geração Y surgem num momento em que a crise está a ser ultrapassada, o que leva a que os pais lhes proporcionem uma educação rica em estímulos. Nesse seguimento, os jovens criam a necessidade de manter a qualidade de vida, o que promove a busca por uma carreira gratificante.”

E é precisamente a alteração de prioridades que dá que falar. Para o sexólogo Fernando Mesquita, as pessoas estão cada vez mais viradas para si mesmas e, muitas vezes, apostadas em ter uma carreira profissional. Ao seu consultório diz que chegam muitas mulheres que puseram de lado as relações amorosas para se dedicarem ao trabalho: “Quando chegam aos 40 anos querem ser mães e questionam o que andaram a fazer e [dizem] que, agora, é mais difícil arranjar um parceiro. Já não lhes apetece sair para uma discoteca e não querem ir para as redes sociais procurar homens.”

Além de terem outras prioridades, Mesquita lança a possibilidade de as pessoas estarem mais frias e conta que encontra com regularidade casais cujo desejo sexual diminuiu tanto para ele como para ela. Isto porque a rotina e o stress diário afectam a vontade. “Já apanhei casais que ficaram um ano sem fazer sexo.” E o sexo, defende, é a diferença entre estar numa amizade ou numa relação amorosa.

O poder da informação e a instantaneidade das relações

Mas há outros factores que podem ser responsáveis pelo que o estudo citado alega — embora este não deva ser encarado como verdade universal. Como o facto de, atualmente, os mais novos estarem mais informados, isto é, terem mais conhecimento sobre as doenças sexualmente transmissíveis, ao contrário do que acontecia nas gerações anteriores. Neste sentido, Fernando Mesquita defende que a educação sexual nas escolas tem um papel fundamental.

“Se a educação sexual for bem implementada e interiorizada, vai haver menos comportamentos de risco. As pessoas que são mais informadas em termos sexuais são aquelas que iniciam a atividade sexual mais tarde”, defende o sexólogo, lamentando quem pense exatamente o contrário. Como os pais que, segundo diz, pensam que falar de sexo em ambiente escolar é algo capaz de fomentar a sua prática: “Como se isso estivesse a forçar as crianças ou os adolescentes a terem sexo.”. Débora Água-Doce concorda: “Estão cada vez mais informados e consciencializados sobre os temas do sexo e das relações, pelo que cada vez menos promovem comportamentos de risco.”

Em cima da mesa também estão relações mais curtas, instantâneas, e que podem não chegar ao comportamento sexual. “Tenho a ideia de que as relações são mais esporádicas, que não há um elo tão emocional em relação à outra pessoa. E as redes sociais também ajudam, ao potenciarem isolamento e individualismo”, diz Mesquita.

Mas ainda há espaço para histórias felizes. Débora Água-Doce conta que na sua prática diária, ao contrário do que se pode julgar, assiste a uma “busca incessante pelo amor verdadeiro, aquele que se considera existir nos contos de fadas, onde o viveram felizes para sempre se realiza”. “Amar e ser amado é algo fundamental ao ser humano e ao seu desenvolvimento, pelo que é inevitável que se procure estabilidade numa relação amorosa.”

Menos parceiros e menos sexo?

Na sequência deste estudo, a revista Time puxou da gaveta uma outra pesquisa, desta vez referente aos dados reunidos pelo Match, um serviço de encontros online, e que mostram uma realidade semelhante: menos de 7% dos jovens na casa dos 20 têm sexo duas a cinco vezes por semana, sendo que 49% não teve qualquer relação sexual no ano anterior ao inquérito. Entre os mesmos inquiridos, um em três nunca tiveram sexo.

Nesse contexto, Fernando Mesquita relembra que o conceito de sexo tem evoluído ao longo do tempo, ou melhor, ao longo das gerações: “Aquilo que antes era considerado como sexo pode, hoje em dia, não ser igual. Muitos jovens podem dizer que não iniciaram a vida sexual, mas se formos a ver já fizeram masturbação mútua e até sexo oral.”

Uma coisa é certa, quando noutros tempos a mãe se sentava no sofá entre o casal de namorados — o que levava os amantes a aproveitar as oportunidades que surgiam –, a atual liberdade pode muito bem ser responsável por um processo contrário. “Parece que as pessoas se controlam mais”, diz Mesquita. “Voltamos à questão da educação sexual — se não falarmos, se for um tema tabu, isso vai despertar a atenção. Se os jovens tiverem esse tipo de educação, já sabem o que podem esperar.”