As máquinas de lavar com painéis com teclas maiores nos painéis de comando e os carrinhos menos fundos dos supermercados são alguns dos sinais da mudança que as palavras na sua crescente diversidade confirmam: os velhinhos de outrora passaram a idosos, terceira idade, quarta idade e seniores. Mas seja qual for o nome há um dado incontornável: somos uma sociedade com cada vez mais velhos, num país que envelhece situado num continente envelhecido.

Politica e mediaticamente falando o envelhecimento tornou-se uma obsessão nacional. E como sempre sucede com as nossas obsessões exigem-se respostas rápidas, soluções à medida, legislação adequada, programas inovadores, medidas eficazes… Mas quando o tema é a população há que ter em conta que a realidade não muda por decreto e muito menos muda ao ritmo dos nossos desejos: “O envelhecimento é inelutável. O envelhecimento não se combate, o envelhecimento é uma tendência que veio, está e irá para ficar.” – Maria João Valente Rosa ganha uma especial convicção quando a conversa chega a essa espécie de lugar comum do envelhecimento enquanto problema. Demógrafa, responsável pela Pordata, recusa a imagem do envelhecimento enquanto problema: “O envelhecimento não é uma tragédia. O envelhecimento tem a ver com desenvolvimento. Não é por acaso que as sociedades mais envelhecidas são as mais desenvolvidas”.

O problema está sim, em sua opinião, no facto de continuarmos a manter modelos de organização da vida e do trabalho concebidos para uma sociedade demograficamente muito diferente: “Esta organização que nós temos de sociedade foi montada para sociedades muito jovens, em que existiam poucos velhos, as pessoas viviam pouco tempo depois dos 65 anos. A pessoa tinha um tempo para estudo, tinha um tempo para trabalho e um trabalho extremamente intensivo. Eram sociedades muito marcadas pela força física, pela intensidade física do trabalho. Neste momento o que marca as sociedades não é tanto o músculo físico mas mais o músculo intelectual (e o músculo intelectual não tem idade!). E nós montámos essa organização de ciclos de vida: uma idade para se formar, uma idade para se trabalhar… E de um momento para o outro a sociedade mudou e continuamos com esse modelo, como se fosse um modelo que tivesse de ficar para sempre.”

Numa fase em que reformas, reformados e pensões são discutidos do ponto de vista da sustentabilidade da Segurança Social, é interessante constatar como a demografia traz outros argumentos a uma discussão que por vezes parece quase bloqueada. Maria João Valente Rosa vê na forma estanque como agora separamos o tempo do trabalho do tempo da reforma “um enorme desperdício de capital humano. Isto em termos sociais.” Não é tranquilo o retrato que faz desta geração que sai abruptamente do mercado de trabalho: “A pessoa tem uma vida completamente centrada em algo que é o trabalho e de um momento para o outro perde esse trabalho. Eu sei que as pessoas anseiam pela reforma (…) mas passados dois anos, três anos há um vazio profundo. E há um vazio não só em relação a elas próprias como em relação àquilo que eles têm para transmitir aos outros. E isso é terrível a nível individual. Resta saber e essa é a pergunta que eu sempre faço: a reforma faz bem à saúde?”

E é com esta pergunta – “a reforma faz bem à saúde?” – que Maria João Valente Rosa conduz a conversa para um campo que se percebe facilmente que lhe é caro, o de uma nova forma de organização dos ciclos de vida: “Uma proposta que eu fiz num ensaio e que gostaria muito de ver discutida de uma forma mais aprofundada na sociedade portuguesa é se de facto devemos continuar com este modelo. Se não deveríamos repensar o modelo. Por exemplo, trabalharmos menos intensivamente nas idades centrais (trabalho a tempo parcial) e [termos] reforma a tempo parcial. O envelhecimento não é de facto um problema. O problema está nas nossas cabeças. O problema está em nós. Na incapacidade de nos adaptarmos a um curso dos factos que é completamente diferente.”

Mas decida ou não a sociedade organizar-se doutro modo os dados que foram lançados no passado vão marcar o nosso futuro (A demografia não esquece nada! Nem o que fizemos, nem o que não fizemos. Sobretudo se aquilo que não fizemos forem bebés.) Mesmo que a fecundidade aumente, mesmo que os saldos migratórios regressem a positivo, nós vamos ser uma sociedade muito mais envelhecida do que somos hoje. Sobre esse cenário Maria João Valente Rosa recusa os tons sombrios e deixa um aviso: “As pessoas mais velhas do futuro vão ser diferentes das pessoas mais velhas que nós conhecemos hoje. Não vão ser um retrato ampliado do que temos no presente.”

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