Brincar com cerejas já não significa só pendurá-las nas orelhas a fazer de brincos. No caso das que são cultivadas no Fundão, significa agarrar na polpa, tirar os caroços e fazer coisas tão variadas como pudim de cereja, pastel de nata, compota, gelado, molho para deitar no bife, bombom — o Mon Chéri à portuguesa –, licor, passas e até gaspacho. Nem os caroços que se tiraram ou os pés onde a fruta está pendurada escapam: os primeiros são usados como enchimento de almofadas, os segundos servem para fazer chá.

Porque se a Serra da Estrela tem a neve, a Serra da Gardunha tem flocos em forma de fruta, sobretudo nesta altura do ano — de finais de maio a finais de junho –, em que os cerejais estão tão carregados de pontos vermelhos, e tão grandes, que os ramos parecem braços de fantasmas a fingir.

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“Sessenta a 70 por cento da cereja nacional sai desta zona”, diz Olga Nogueira, técnica de turismo do Fundão. “A cerejeira precisa de frio — 800 mil horas no inverno –, por isso é que ela gosta da serra.” E se é verdade que o fruto está cada vez mais espalhado pelo país, resultado da Campanha da Cereja levada a cabo pela Câmara Municipal do Fundão, e que este ano inclui novidades e parcerias de peso como o  gelado de cereja da Santini, o iogurte grego com cereja da Yonest ou até a bola de Berlim de cereja da Sacolinha, também é verdade que há vários motivos para ir até à Cova da Beira para além do fruto que anda quase sempre aos pares.

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Ok, vou aceitar o convite. Onde posso ficar a dormir?

O melhor é “glampar”, ou seja, fazer campismo de luxo. É uma das grandes novidades da região: o Natura Glamping (camping com glamour) não tem nem três meses de vida e é das experiências mais originais que pode ter. Localizado a 925 metros de altitude, não tem quartos nem sequer paredes, antes seis domus, uma espécie de igloos brancos encaixados na Serra da Gardunha que até já foram confundidos com óvnis (um dos supostos ex-líbris da região, rica em histórias de avistamentos).

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“Para conseguir uma licença tivemos de nos enquadrar como parque de campismo, mas isto não tem nada a ver com um parque de campismo”, diz o proprietário, Jorge Pessoa, que aos 47 anos trocou uma vida stressada na informação médica pelos ares da serra. As únicas semelhanças são mesmo o facto de as portas não obedecerem a cartões nem fechaduras, porque quando se corre o fecho éclair vê-se logo que estas não são tendas como as habituais: lá dentro há dois quartos, casa de banho e duche com massagem, em 38 metros quadrados com vista panorâmica e um terraço em deck. As estruturas foram construídas a partir de domus geodésicos alemães e obedeceram a cálculos de engenharia para levarem com vento, sol e neve, mas não tenha medo de usar o ar condicionado: no alto da serra, podem aquecer e arrefecer muito por dentro.
Casa do Guarda de Alcongosta. 93 838 7600; geral@naturaglamping. 75 a 150€ com pequeno-almoço.

Estou instalado. O que posso fazer na região?

Ponha-se a andar. Mas não nos interprete mal, estamos apenas a sugerir que aproveite alguns dos 140 quilómetros de rotas pedestres demarcadas, e que vão da rota da cereja (como não podia deixar de ser) à do xisto, passando pela dos castanheiros. Se ficar no Glamping, pode subir mesmo ali para o carreiro que atravessa a Serra da Gardunha até à aldeia histórica de Castelo Novo. São oito quilómetros mas quase sempre a descer, e pelo caminho encontram-se giestas mais amarelas do que uma gema de ovo. Para explorar o vasto universo das caminhadas no Fundão, o melhor é consultar os muitos panfletos disponíveis em todos os pontos turísticos da cidade e que indicam as rotas disponíveis, a distância, a duração, o grau de dificuldade, a época aconselhada, o património e os pontos de interesse.

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Tendo ainda força nas pernas, outra boa opção é fazer desportos radicais. No Fundão há 250 quilómetros de trilhos sinalizados para BTT e duas estações de serviço para bicicletas, uma delas no Parque do Convento, onde pode fazer outra atividade radical: arvorismo (7,5€ adultos, 3€ crianças). Junto ao posto de vigia da Serra da Gardunha fica ainda aquela que é considerada a melhor rampa de asa delta da Europa. “Os últimos que saíram daqui aterraram em Tomar”, diz Jorge Pessoa, para quem a Gardunha é “a primeira fronteira entre a planície e a montanha”. “É uma região que tem tanto potencial e ele está tão adormecido que eu acho que será o próximo grande foco turístico do país.”

Montanha e planície: na mesma hora, pode ver paisagens completamente diferentes, e embora não faça sentido fazer uma distinção como a das duas Coreias — e ainda bem para Paulo Fernandes, presidente da Câmara — a verdade é que há um Fundão a norte da Serra da Gardunha, e outro a sul, onde até as cerejas ficam maduras em alturas diferentes. Prepare a máquina ou o smartphone porque mais para norte vai ver vegetação densa e protegida, para além de pedras enormes onde pode adivinhar formas, como nas nuvens, enquanto a sul vai vislumbrar campos e campos de feno com ovelhas a pastar junto às queijarias.

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No meio do campo, faz sentido que as aldeias sejam pontos de interesse, e no Fundão há dois exemplares da rede de Aldeias do Xisto — Barroca e Janeiro de Cima –, e um das Aldeias Históricas: Castelo Novo. Na Barroca não pode perder as gravuras rupestres, enquanto em Janeiro de Cima há um parque fluvial para aproveitar o rio Zêzere e um segredo bem guardado: a Casa das Tecedeiras, onde o linho ainda é trabalhado num tear manual. Já em Castelo Novo, onde vivem apenas 100 pessoas, as atrações são o castelo, obrigatoriamente, mas também a Casa da Lagariça, uma loja de artesanato urbano que abre apenas ao fim de semana e onde pode fazer a coleção dos Bonecos das Histórias Criativas, inspirados nas lendas de cada uma das 12 aldeias históricas.

aldeia Castelo Novo

As portas são coloridas porque, das 12 aldeias históricas, Castelo Novo foi a última a ser recuperada e essa foi uma forma de tornar as ruas menos monótonas. © Jorge Vieira

Se não conseguir ir agora, há outras boas alturas para ir?

Claro que sim. Abra o calendário anual e aponte estas datas:

Março e Abril: É a altura das cerejeiras em flor e há piqueniques organizados à sombra das árvores que parecem cheias de neve. O grande auge é na última semana de março, diz Olga Nogueira, do turismo do Fundão.

Junho: A flor deu fruto, muito fruto, por isso é tempo de celebrar. No início do mês realiza-se sempre a Festa da Cereja — este ano acontece de dia 12 a 14 — na freguesia de Alcongosta, responsável por produzir 20 mil toneladas de cerejas, de 20 variedades diferentes, e que nesta altura se enche de tasquinhas e animação, de concertos a demonstrações de live-cooking. Também em junho, o festival Fundão, Aqui Come-se Bem — Sabores da Cereja reúne mais de 20 restaurantes e pastelarias que fazem menus especiais com pratos e doces que têm como ingrediente principal a famosa fruta (pelo que a lista enumerada no início deste artigo aumenta ainda mais).

Pastel de Cereja do Fundao

Lisboa tem os Pastéis de Belém, o Fundão tem os Pastéis de Cereja. / DR

Setembro: De Alcongosta para Alpedrinha, no terceiro fim de semana de setembro acontece o Chocalhos — Festival dos Caminhos da Transumância, uma festa tipicamente rural em que os habitantes abrem as portas de casa para dar a provar produtos da terra. Transumância é o termo que designa a deslocação de rebanhos à procura de pastos e um dos pontos altos da festa é precisamente percorrer um desses caminhos e ser pastor por um dia.

Novembro: Nesta altura não há cerejas mas há outro alimento cobiçado: míscaros, um tipo de cogumelo selvagem que também gosta dos ares da Serra da Gardunha. Durante três dias, a aldeia do Alcaide recebe o Festival do Cogumelo e, à semelhança da Festa da Cereja, há tasquinhas e animação, mas não necessariamente na rua. “Como nessa altura já chove, as pessoas são convidadas a entrar na casa dos habitantes, que transformaram as lojas [piso mais baixo] das suas casas em bares”, diz Olga Nogueira. É aí que podem provar vários petiscos feitos com cogumelos silvestres, de licores a bolos.

Dezembro: O Fundão gosta de comida, disso não haja dúvidas. Antes de o ano terminar, e quando a neve surge como outro dos atrativos, o município recebe ainda o Festival da Tibórnia, onde são os azeites da Cova da Beira que estão em destaque nos menus dos restaurantes. Tibórnia é a chamada bruschetta portuguesa, pão torrado regado com azeite e que pode ser servido com vários complementos, sendo que é certo que, durante o evento, também há sempre azeitonas à mesa.

Quero provar essas tibórnias. Tenho de esperar pelo final do ano?

Não, já basta ter de esperar pelo Natal. No Mário, um dos restaurantes mais famosos da Beira, daqueles que justificam um desvio na autoestrada e que fica entre o Fundão e a Covilhã, um dos pratos mais famosos é a tibórnia de bacalhau à Mário, onde é impossível decidir o que é melhor, se o próprio bacalhau, se o acompanhamento de couve e broa regadas com azeite. Espaçoso, o restaurante pede a mesma amplitude no estômago, porque quem prova a tibórnia não pode deixar também de experimentar o arroz de carqueja e a panela no forno, um prato temperado com serpão, uma espécie de tomilho que é típico da zona.

E já que se fala em comida, quem também sabe aproveitar o que a Cova da Beira dá é o chef Rui Cerveira, que na Casa da Esquila, a cerca de 40 quilómetros do Fundão, serve uns peixinhos da horta onde o feijão verde dá lugar à flor do sabugueiro, e um gaspacho de cereja que apetece beber antes e depois da refeição.

Cerejas, Fundão,

O gaspacho de cereja do chef Rui Cerveira. © Ana Dias Ferreira / Observador

Fiquei convencido. Como vou para o Fundão?

É uma boa pergunta porque nem só o automóvel pode deixá-lo na capital das cerejas. O Fundão fica praticamente à mesma distância do Porto e de Lisboa (cerca de duas horas e meia, pela A1 e depois A23), mas durante a época alta da cereja há um comboio da CP que proporciona bastante mais do que uma viagem de ida e volta pela Linha da Beira Baixa. Todos os sábados, entre 23 de maio e 4 de julho, o Comboio Rota das Cerejas do Fundão (35€ a 50€, dependendo do local de partida) leva os passageiros a apanhar cerejas num dos pomares da Aldeia Nova do Cabo. Para além de ver como o processo de colher a fruta na árvore é delicado — é preciso escolher só as cerejas mais maduras e arrancar o pé inteiro — é possível assistir ainda à seleção manual da colheita, em que o tamanho, medido através de cartões pré-cortados, mas sobretudo de olhos e mãos treinadas, dita o calibre, e o preço, da jóia vermelha do Fundão.

Cerejas, Fundão,

© Ana Dias Ferreira / Observador

O Observador viajou a convite da Câmara Municipal do Fundão.