Não, ainda não foi desta vez que Marcelo Rebelo de Sousa desfez o tabu sobre se vai ou não entrar na corrida às presidenciais de 2016. Mas nem por isso deixou fugir o tema e aproveitou para disparar contra os candidatos a Presidente da República que apresentam “programas de Governo” e “promessas de referendo que dependem de outras instituições”.

Em declarações aos jornalistas, à margem de um almoço/debate organizado pela revista “Segurança e Defesa” e a Diário de Bordo Editores, no Clube Militar Naval, em Lisboa, o ex-líder do PSD afirmou que “seria mau que, quer na campanha legislativa, mas especialmente na campanha presidencial, de repente, se perdesse a ideia do que é fundamental” para o país.

Um recado que parece cair que nem uma luva a Sampaio da Nóvoa, embora Marcelo Rebelo de Sousa nunca tenha dito concretamente a quem se estava dirigir. Em maio, na carta de princípios apresentada por Sampaio da Nóvoa, o ex-reitor da Universidade de Lisboa, pôs em cima da mesa a possibilidade de um referendo sobre a progressiva integração europeia. Agora, Marcelo Rebelo de Sousa veio a terreiro dizer que os candidatos ao cargo de Presidente da República devem ter a “humildade” para se apresentarem como alguém “capaz de fazer pontes” entre os diferentes partidos políticos e não com alguém que quer fazer “aquilo que tem na cabeça”.

“O papel do Presidente é fazer pontes. Não é ter um programa de Governo, não é ter um programa político, não é fazer aquilo que tem na cabeça. É evidente que cada candidato tem as suas ideias (…), mas um candidato a Presidente não é um candidato a primeiro-ministro, não tem um programa de governo. Tem as suas ideias, sabe o que defende para o país, mas tem de ter a humildade para ser sobretudo alguém que faz a ponte entre pessoas com ideias diferentes”, lembrou Marcelo Rebelo de Sousa.

Nessa linha, o professor acredita que o papel do próximo Presidente, enquanto mediador, será fundamental, porque se avizinha um ciclo político que pode trazer grande instabilidade para o país e, no limite, um ciclo que trará consigo a sucessão de vários governos minoritários. “Pode acontecer que nos próximos cinco anos, termos um só Presidente e dois ou três governos. [Nesse sentido], vai ser preciso um grande esforço de aproximação e convergência para ultrapassar as clivagens [que existem entre PS e PSD] já daqui a três meses” defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.

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O comentador até deu o seu exemplo enquanto líder da oposição durante o Governo minoritário de Guterres, altura em que “foi possível ao PSD viabilizar” três orçamentos do Executivo socialista. Nessa altura, no entanto, “tínhamos um acordo de fundo de regime em tudo que era importante para Portugal”, recordou Marcelo. Mas, esses, “eram outros tempos”. O comentador explicou porquê: “O que eu tenho visto nos últimos anos é que há divergências de fundo entre PS e PSD em relação a todos estes pontos”.

Marcelo aproveitou a sua própria dica para deixar um recado a socialistas e social-democratas: na próxima campanha para as legislativas, os dois principais partidos têm de ter cuidado com o que prometem ou correm o risco de colocarem ainda mais areia na engrenagem do consenso político. “As duas grandes alternativas de governo devem apresentar com clareza as suas propostas para o país e pedir a maioria absoluta – às vezes parecem quem têm vergonha de a pedir”. E, ao mesmo tempo, têm de evitar “dizer em campanhas eleitorais coisas tais que depois considerem irreversíveis” e impossibilitem acordos de regime.

Numa altura em que a maioria absoluta parece estar longe do alcance quer do PS, quer da coligação, para Marcelo, serão esses acordos de regime a evitarem que Portugal caia num carrossel negativo de governos de “um ano ou de um ano e meio”. “Se voltarmos a esses ciclos políticos perdemos um aspeto fundamental que custou muito ao país que foi a estabilidade politica. Mas eu temo muito que isso possa acontecer“, afirmou Marcelo.

Marcelo Rebelo de Sousa alertou, ainda, para a necessidade de sensibilizar os portugueses e, sobretudo, os líderes políticos para a importância das Forças Armadas nas relações de Portugal com a Europa, mas também com os Estados Unidos e com o resto do mundo. Isto numa altura em que já existe no país “uma corrente que [se questiona]: para que é que precisamos de militares?”. Para o comentador, “perdeu-se a sensibilidade” para as questões deste domínio, em parte, porque todos os responsáveis políticos “passam pela matéria de Defesa com grande ligeireza”.