A publicitação do registo de interesses do secretário-geral dos Serviços de Informações da República Portuguesa (SIRP), onde consta informação sobre se o chefe das secretas pertence ou não à maçonaria, sempre foi o motivo de discórdia entre a maioria e o PS na alteração ao regime das secretas. O PSD queria mais transparência, o PS não em nome da “proteção” dos agentes. Mas o acordo prevaleceu e a proposta de lei, com alterações, foi aprovada esta quinta-feira em sede de especialidade com os votos do PSD, CDS e PS, que já tinham votado juntos na generalidade. O PCP foi a voz da oposição.

A proposta de lei do Governo, que foi aprovada na generalidade com os votos favoráveis do PSD/CDS e PS, esteve esta tarde em discussão no Parlamento, em sede de especialidade. O PS reiterou o apoio à maioria nesta matéria, por ser uma “matéria de Estado”, mas exigiu “aperfeiçoamentos”. Nomeadamente no que diz respeito à não publicitação dos registos de interesses do chefe das secretas. PSD e CDS cederam em prol da “negociação” e o registo de interesses do dirigente máximo do SIRP ficará apenas no Conselho de Fiscalização do SIRP e não será tornado público.

“Creio que encontramos a solução adequada”, começou por dizer o deputado socialista Jorge Lacão, explicando que o acordo interpartidário vai no sentido de os agentes em geral apresentarem o seu registo de interesses junto do secretário-geral. Já os diretores do Sistema de Informações, onde se encontram o secretário-geral e o secretário-geral adjunto, terão de apresentar o seu registo de interesses junto do Conselho de Fiscalização, com a obrigação de garantirem aí a sua atualização. Ou seja, longe das mãos da Assembleia da República e fora do domínio público, como o PSD, pela voz da deputada Teresa Leal Coelho, sempre quis.

O único ponto onde a maioria venceu nas negociações com os socialistas foi na publicitação dos registos de interesses dos membros do Conselho de Fiscalização das secretas, que esses sim vão ser entregues à Assembleia da República, tornando-se públicos. Neste ponto, o PS assinalou o seu desacordo, mas salientou que não seria por isso que mudava o seu sentido de voto favorável. Absteve-se na votação sobre este artigo.

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Segundo o deputado Jorge Lacão, que esta tarde apresentou detalhadamente as alterações à proposta do Governo, já acordadas com PSD e CDS, “é óbvio que os diretores dos serviços de informações devem ser fiscalizáveis mas essa fiscalização não deve ser tornada pública”. O argumento socialista é o da “proteção” dos agentes, para que não sejam “envolvidos em polémicas externas que os fragilizem nas suas funções”. Este era também o entendimento do atual secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, e dos pareceres enviados à Assembleia pela Comissão Nacional de Proteção de Dados e pelo Conselho Fiscalizador do Sistema de Informações da República. E foi este o entendimento que prevaleceu.

Essa foi uma exigência dos socialistas – “uma exceção absolutamente necessária” – que obrigou os partidos da maioria a recuarem neste ponto. “Aceitamos a condicionalidade no âmbito do processo de negociação”, disse a deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, sublinhando que se trata de uma “matéria de soberania que impõe amplos consensos e que deve garantir a estabilidade adequada”.

Maioria e PS apertam regras de acesso a metadados

O objetivo é evitar a inconstitucionalidade do diploma, que o PS mantém como via aberta depois dos pareceres negativos da Comissão de Proteção de Dados e do Conselho Superior de Magistratura, que consideraram inconstitucional e abusivo o acesso aos dados de tráfego das comunicações. Na discussão e votação da alteração ao regime do Sistema de Informações da República, o deputado socialista Jorge Lacão enumerou um conjunto de alterações acordadas previamente com os dois partidos da maioria no sentido de reforçar as limitações do acesso aos dados detalhados de comunicação dos cidadãos por parte das secretas.

Nesse sentido, as alterações da maioria e do PS vão agora no sentido de restringir o acesso aos detalhes das comunicações (dados de tráfego e de localização, não escutas) dos cidadãos que estejam “envolvidos nos factos justificativos do pedido de acesso, sendo que esse pedido também tem de ser devidamente justificado”. Ou seja, apesar de a proposta de lei inicial já prever que o acesso era apenas para matérias que tivessem a ver com situações graves de suspeita de terrorismo e questões de segurança nacional, agora os partidos sugerem que se limite ainda mais à pessoa que seja efetivamente suspeita.

Outro dos “aperfeiçoamentos” tem a ver com a destruição imediata dos dados que não se revelem “justificados”, e com o reforço da fiscalização das entidades responsáveis por tomar a decisão sobre o acesso ou não aos referidos dados. Agora, de acordo com a proposta de alteração aprovada, há três entidades envolvidas na matéria: Conselho de Fiscalização do SIRP, comissão de fiscalização de dados, composta por três magistrados do Ministério Público, e ainda uma terceira, a chamada comissão de controlo prévio, que será composta por três juízes do supremo. “Terá a garantia de que os procedimentos que ocorram não sejam violadores dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, defendeu Jorge Lacão, perante as críticas acesas do PCP.

O líder parlamentar comunista, João Oliveira, foi a voz da oposição, tendo-se manifestado frontalmente contra o diploma, considerando que fica assim provado que “os acordos PSD, PS e CDS fazem muito mal à democracia portuguesa”. João Oliveira disse ainda que o acesso dos serviços de informações aos dados de comunicações, caso a proposta do Governo passe no crivo da constitucionalidade, permitirá aos agentes das secretas aquilo que é negado à investigação criminal.

Apesar das alterações agora acordadas entre PS, PSD e CDS, Jorge Lacão mostrou-se favorável a que, após a aprovação do diploma do Governo em votação final global no Parlamento, em última instância, seja depois o Tribunal Constitucional a dirimir a questão referente às dúvidas de respeito pela Constituição da República relacionadas com a possibilidade de os serviços de informações acederam a dados de tráfego ou a dados de localização de cidadãos suspeitos de envolvimento com terrorismo, crimes de segurança contra o Estado ou alta criminalidade organizada.