Mais gente, frio, vento e pó, no terceiro e último dia do NOS Alive 2015. O cartaz prometia variedade, é difícil escapar ao apelo dos grandes nomes mas é nas extremidades que se encontram, tantas vezes, as melhores surpresas. E assim foi.

Os californianos Counting Crows estrearam-se em Algés ao final da tarde (19h30). Os 24 anos de carreira deram-lhes o justo direito de ocupar o palco grande, onde tocaram (muito bem) os clássicos — “Mr. Jones”, “Long December”, “Accidental in Love” — e outra pérola, “Big Yellow Taxi” de Joni Mitchell, um momento particularmente assinalado por uma geração revivalista. Quem sabe nunca esquece, de fazer e ouvir. Foram um bom aquecimento para o que se seguiu.

40 minutos mais tarde, o sucesso da dupla portuguesa Dead Combo (Tó Trips e Pedro Gonçalves) garantiu casa cheia no palco Heineken. Fizeram-se acompanhar por dois bateristas/percussionistas, vestidos a rigor, ao fundo imagens projetadas e no centro do palco o enfeite (o móvel ou estante) que ilustra “A Bunch Of Meninos”, o último LP. Uma arrumação detalhada, as muitas caveiras não destoaram das molduras, há naquele retrato uma postura estudada mas genuína. Meninos com maneiras, os cavalheiros dizem: “sai uma música dedicada às vossas miúdas”.

Pelo alinhamento percebe-se que os Dead Combo se adequam melhor a uma sala fechada, mas ainda assim adaptaram-se bem, foi praticamente uma hora preenchida com os longos instrumentais, música séria de compenetrada e por isso, pela competência e intensidade, foram sempre muito aplaudidos. Para o final deixaram “Zorba the Greek”, com a bandeira azul e branca em pano de fundo. Foi uma boa banda sonora para o final de tarde.

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Às nove da noite em ponto, Sam Smith provou porque mereceu o upgrade para o palco principal (atuou no ano passado num dos palcos secundários). A plateia encheu-se para ver e ouvir o jovem e multipremiado músico inglês. Ele sabe a voz que tem e brinca com ela. Apoiado por um coro soul, cantou bem e falou, falou muito, histórias de vida (dele) que inspiram a composição e aumentam a proximidade com o público jovem, que sabe as letras de cor. A versão acústica de “Latch” (tema que cantou com os Disclosure) ficou para o fim.

Do outro lado do recinto, às 21h10, uma parede de som chamada Mogwai descarregou 20 anos de experiência acumulada no estilo rock instrumental (eles detestam o selo pós-rock). Estiveram em Portugal no ano passado (no NOS Primavera Sound, no Porto) onde foram igualmente densos. Sem fogo-de-artifício, apresentaram um som despido, camada sobre camada, as guitarras no limite da distorção. Havia no (muito) público quem abanasse a cabeça, outros mantinham um olhar siderado. A música é, tantas vezes, um poderoso alucinogénico. E os Mogwai são uma autêntica drogaria.

O cartaz do palco Heineken foi o mais “forte” dos três dias, houve quem não saísse dali todo o serão. Para muitos o grande pretexto foi a apresentação de “Psychocandy” (1985), o álbum de estreia dos também escoceses The Jesus and Mary Chain. Mais um espetáculo revivalista, absolutamente concentrado no passado. Ecrãs laterais desligados, banda em contraluz permanente, só faltou tocarem de costas para o público. Já se passaram 30 anos, mas a banda voltou ali apenas para dar vida ao disco, foi feita a vontade de muitos. É uma receita que funciona.

À mesma hora, no palco Clubbing, a moldura era igualmente escura (no sentido em que os artistas se dão bem com pouca luz na cara), mas o som era completamente diferente. No cartaz aparecia escrito Super Discount 3 e a maioria não percebeu que se tratava do DJ e produtor francês Étienne de Crécy (Super Discount é um dos seus alter egos). Esta noite, provou por que continua a ser uma referência no panorama da música de dança europeia. Mantém a vitalidade criativa, mas os 46 anos de idade dão-lhe um alicerce importante: a capacidade de progredir com harmonia e coerência. Foi o que se viu e sentiu ali, muita gente também na casa dos 40 a dançar a música de hoje com a energia de outros tempos.

No palco, Étienne de Crécy fez-se acompanhar por dois DJs. Permaneceram ao meio, acima e abaixo deles as letras/palavras gigantes Super Discount, retroiluminadas. Ora mudavam de cor, ora piscavam e apagavam, como quando apenas se acendeu UP (na palavra Super), foi assim que a batida puxou, sempre para cima. O músico francês continua uma locomotiva sobre os carris da house music e protagonizou uma das atuações mais assinaláveis da noite.

No palco principal, a eletrónica era outra, mais lenta. O australiano Chet Faker foi o “one man show” que voltou a Portugal — depois de esgotar os dois espetáculos do passado fim de semana no Coliseu de Lisboa. É provável que nem tenha daqui saído. A plateia estava composta, mas não parecia particularmente interessada. A concorrência não lhe deu grande hipótese, ou simplesmente muitos ainda tinham a memória fresca e preferiram outras experiências. O que ouvimos não convenceu, foi perfeitamente dispensável perante a alternativa, uma quebra de ritmo para seguir modas.

Cinco minutos depois da meia-noite, a nova-iorquina Azealia Banks entrou aos gritos no palco Heineken. E como se não bastasse, usou entre o microfone e a boca um megafone, para que todos percebessem as palavras simples: “I wanna be free!”. E foi, num exercício despido de outras distrações que não a voz e a palavra, atributos que a rapper usou com energia. Apresentou o álbum de estreia “Broke With Expensive Taste”, caro e bom. Foi um animal de palco. A tenda abarrotava no compasso de espera para o cabeça de cartaz.

A dupla inglesa Disclosure apresentou um espetáculo impressionante. O palco, já de si enorme, foi completamente ocupado por uma tela de alta definição onde iam sendo projetadas imagens e efeitos, cores e luzes e linhas e barras e ondas e silhuetas. Um deleite visual, frenético mas coerente, uma super produção como não se viu em nenhum outro dia. Musicalmente, os irmãos Lawrence foram competentes, não se prenderam aos teclados, tocaram percussão e guitarra e cantaram (nem sempre bem). A batida dos hits e o som poderoso do palco NOS pôs a multidão a dançar, foi por eles que muitos esperavam, mas outro palco reservava um nome pouco (nada) conhecido que se revelou muito mais interessante e orgânico.

Os australianos Flight Facilities aterraram pela primeira vez no nosso país. Ou melhor, não chegaram a aterrar, passaram a voar baixinho, daí que a deslocação do ar tenha feito da tenda Heineken um hangar em festa, lamentavelmente com muito pouca gente. Tanto espaço acabou por ser bom para quem quis abrir as asas ao dançar. No cockpit estavam, claro, Hugo Gruzman e James Lyell, vestidos a rigor (traje de piloto) para apresentar “Down To Earth” (2014), o disco de estreia. A sedutora Emma Louise fez-lhes companhia, saia às riscas e uma t-shirt dos Kiss, tudo estranhamente certo.

O desenho retro da mesa das máquinas encaixou muito bem com a tela curta no cenário de fundo. Enquanto brincavam com “Lady (Hear Me Tonight)” de Mojo, abriu-se a janela virtual do avião, na perspetiva do passageiro. No final, o bimotor australiano transformou-se num foguetão em direção a uma próxima vez, quem sabe (provavelmente) num voo mais alto. Os Flight Facilities foram a grande surpresa da noite.

Nos três dias da nona edição do NOS Alive passaram pelo recinto 155 mil pessoas. Para o ano há mais (de 7 a 9 de julho) e os bilhetes já estão à venda. E já há confirmações para a décima edição? Álvaro Covões, da Everything Is New (a empresa promotora do festival) disse-nos que o festival do próximo ano já está a ser preparado há meses, que já foram feitos alguns contactos e marcações na agenda, mas não pode revelar quais. Seja como for, “será o melhor cartaz de sempre”, claro.

Foram horas intensas que resumiram uma jornada que durou várias semanas. Todos os artigos que produzimos sobre o NOS Alive 2015 podem ser consultados neste link. Durante os dias do festival partilhámos muitos momentos nas redes sociais, em especial no Twitter. Na próxima semana há mais três dias de música na cidade de Lisboa. Lá estaremos.