Em quatro anos de legislatura, o Governo de Passos Coelho não respondeu a mais de duas mil perguntas enviadas pelos vários grupos partidários com assento na Assembleia da República. De questões sobre problemas locais como dificuldade de acesso a uma estação de comboios ou a falta de pessoal no hospital da Guarda, até questões nacionais como privatizações e dados da emigração, muitas dúvidas ficaram por tirar. Os deputados interpretam a não resposta como “uma resposta política” com significado “forte” e já se habituaram a usar este meio para chamar a atenção para os problemas, mesmo que estes fiquem sem solução.

O Observador olhou para os números das perguntas não respondidas desde o início da legislatura da coligação – a primeira pergunta não respondida pertence ao Bloco de Esquerda e diz respeito à privatização do BPN, datando do início de agosto de 2011 – até ao dia 15 de junho de 2015, já que há um prazo legal de 30 dias para estas serem respondidas. As perguntas e as respetivas respostas são públicas e podem ser consultadas por qualquer cidadão no separador sobre fiscalização política no site do Parlamento. Em termos de percentagem, ou seja, comparando as perguntas feitas com as perguntas sem resposta, os socialistas foram os deputados que menos obtiveram retorno.

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Do total de 10.968 perguntas enviadas pelos deputados dos vários partidos ao Governo durante esta legislatura, mais de duas mil ficaram sem resposta. Enviar perguntas a ministérios e secretarias de Estado é um dos poderes concedidos aos deputados pelo regimento da Assembleia da República. Para além de obedecerem a uma redação específica, os temas e perguntas são completamente livres e qualquer área da governação pode ser escrutinada. Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda e líder da bancada parlamentar do partido, diz que as perguntas “são um instrumento muito importante de fiscalização da atividade do Governo” e que possibilitam questionar o Executivo sobre “a realidade concreta do país”.

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Apesar de o maior número de perguntas ter sido feito pelo PCP, seguido de perto pelo Bloco de Esquerda, a taxa da falta de resposta é similar – exceto Os Verdes – entre a maioria e a oposição. O partido que em termos de percentagem recebeu menos respostas foi o PS, tendo ficado por responder 362 das suas perguntas, enquanto PSD e CDS ficaram sem resposta em 19% e 20% dos casos, respetivamente. Já o PCP não teve resposta a 896 perguntas, o que equivale a 19,1% das perguntas que enviou, e o Bloco viu 472 das suas perguntas ficarem por responder (18%).

O deputado socialista Rui Paulo Figueiredo diz que não considera haver qualquer diferença entre as respostas dadas à maioria ou ao PS. Considera que a diferença está nas perguntas colocadas pelas bancadas. “A maioria faz perguntas sobre questões mais locais e sobre temas onde sabe que as respostas à partida vão ser positivas”, defende o deputado, dizendo também que há muitos governantes que consideram que responder a perguntas é “a última prioridade. A maior parte das perguntas sem resposta de Rui Paulo Figueiredo foram sobre o processo de privatização da TAP. O deputado queixa-se também da falta de acesso aos documentos do processo, pedidos através de requerimento e que nunca tiveram resposta – mais de metade dos pedidos de documentos dos deputados não obteve qualquer resposta.

Para Mota Amaral, deputado do PSD e um dos deputados com mais experiência no Parlamento, a não resposta por parte do executivo “tem um significado político” porque muitas vezes se tratam de perguntas “embaraçosas” para o Executivo em funções. O social-democrata perguntou em 2012 quais as vantagens do acordo ortográfico para as relações comerciais do país com outros países lusófonos e ficou sem resposta. “Claro que não houve, porque o argumento para manter o Acordo Ortográfico é falso”, defende o deputado açoreano, que considera que as perguntas servem também para chamar a atenção para “temas que não estão no topo das prioridades do Governo”.

Não responder e não justificar

As perguntas são consideradas como “não respondidas” quando passam 30 dias do seu envio para a entidade responsável e não há qualquer retorno. A falta de resposta tem de ser justificada à presidente da Assembleia da República e a razão para as perguntas não serem respondidas deve ser publicada no que ficam por responder devem constar no Diário da Assembleia da República – também há possibilidade da entidade pedir a prorrogação do prazo de resposta e acontece também que as respostas cheguem depois do prazo.

“Estas práticas já vêm de longe e a falta de resposta mostra falta de compromisso do Governo para com o Parlamento”, afirma ao Observador o deputado Bruno Dias, do PCP. O deputado defende também que a falta de resposta tem “significado político” e afirma que em vários casos, as perguntas dos seu partido, mesmo sem resposta, já tiveram impacto em várias situações. “Quando uma situação é denunciada, estamos a dar voz a quem não se pode defender e serve também para alertar consciências”, considera o deputado comunista, que ficou várias perguntas pendentes, nomeadamente no que diz respeito a transportes e despedimentos coletivos.

O ministério que menos respondeu aos deputados foi mesmo o Ministério da Economia, que está encarregue da pasta dos transportes, seguido de perto pelo da Saúde. Logo a seguir vem o da Educação e da Segurança Social. Há perguntas que também chegam às secretarias de Estado de cada ministério.

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Pedro Filipe Soares diz que atualmente o Governo não está a cumprir as suas obrigações e afirma que a maior parte das perguntas não respondidas não têm qualquer tipo de justificação por parte do Governo. “O Governo não cumpre a lei e não temos respostas de todo”, argumenta o deputado, referindo que a maneira que o Bloco de Esquerda encontra para contornar esta falta de resposta e de justificação, é insistindo na pergunta. Após a perguntas esgotar o tempo de resposta, o partido volta a avaliar a questão e, caso ainda seja pertinente, volta a submete-la, embora admita que faltam meios de apoio aos deputados para realizar esta tarefa.

Um dos exemplos do Bloco de Esquerda sobre perguntas enviadas várias vezes prende-se com a “desigualdades no acesso à realização de exames PET [exame que ajuda ao diagnóstico de doenças oncológicas, neurológicas e cardíacas]”. Até 15 de junho, data até à qual o Observador fez o levantamento, o Bloco já tinha enviado a sua pergunta quatro vezes, constando no cabeçalho que o reenvio se deve à falta de resposta – a pergunta voltou a ser enviada mais uma vez a 17 de junho.

Para que serve uma pergunta sem resposta?

Mesmo sem resposta, Mota Amaral diz que as perguntas são uma ferramenta “muito útil” para confrontar os ministros com questões que nem sempre é possível levantar em debates ou audições presenciais. O antigo presidente da Assembleia da República garante que durante os vários anos passados no Parlamento, algumas perguntas se tornaram “verdadeiras novelas” quando as respostas e esclarecimentos adicionais se arrastam durante vários anos. Outra função das perguntas, mesmo as que ficam sem resposta, é “chamar a atenção para assuntos que não estão no topo das prioridades” e que são muitas vezes “assuntos de interesse para a comunidade”. No caso de Mota Amaral, muitas das suas perguntas sem resposta prendem-se com questões sobre os Açores, como as “carências da PSP na Região Autónoma dos Açores” – no total, o deputado fica com 32 perguntas por responder.

Também o deputado Bruno Dias refere que as perguntas servem de “alerta”. Os próprios deputados do PCP são alertados para muitas questões através da implantação que o partido tem junto de sindicatos, municípios e locais de trabalho. Para além da falta de respostas, o deputado queixa-se também da “falta de repercussão” que as perguntas têm na esfera pública, apesar de o acesso a esta base estar acessível a todos os cidadãos.

A “transparência” do processo é um dos maiores atrativos do envio das perguntas, defende o deputado Pedro Filipe Soares. “Sempre que recebemos informação ou pedidos por parte de cidadãos e achamos pertinentes, submetemos uma pergunta. Mas não enganamos ninguém, dizemos que não damos ordens ao Governo, que se trata de um ato de fiscalização”, afirma o deputado, avançando que as perguntas servem também como meio de pressão e meio de amplificar a denúncia pública dos problemas do país.

Rui Paulo Figueiredo, deputado socialista, diz que atualmente os pedidos que chegam ao seu grupo parlamentar já são 95% através da internet e é assim que muitos casos chegam à secretária dos deputados. “Recebemos dezenas de perguntas e sugestões por semana e depois há ainda os pedidos das assembleias municipais, das câmaras e das juntas de freguesia”, disse o deputado, lembrando que quando as SCUT começaram a ser cobradas, os deputados chegaram a receber as notificações dos valores a pagar enviadas pelos automobilistas que consideravam estar a ser indevidamente taxados.