Alfredo nunca pensou que fosse possível andar de avião. “Lá de cima vi a Serra do Caramulo. Nem estava a acreditar. Perguntei ao piloto: ‘então mas a quantos quilómetros é que isto está a andar? E eram muitos — 1068 quilómetros. Foi incrível, nem consigo ter palavras para explicar o quanto gostei de voar”, conta ao Observador. Apesar da velocidade e da altura, não teve medo. A única coisa que sentiu enquanto conversava com o piloto foi “felicidade e muita surpresa”.

O desejo de Alfredo foi um dos oito que já foram realizados pelo Centro Comunitário da Gafanha do Carmo, em Aveiro, que realiza sonhos com muita idade, sonhos que têm vindo a comandar a vida de 24 idosos.

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Alfredo sentiu-se “feliz e surpreendido” com as descobertas feitas nos ares.

O projeto chama-se “Antes de morrer, quero…” e é inspirado numa iniciativa que nasceu em Nova Orleães, “Before I Die”, onde a artista e bolseira da TED Candy Chang, fez de uma casa abandonada um gigante quadro preto para que os vizinhos completassem, com giz, a frase: “Antes de morrer, quero…”. As respostas foram surpreendentes. Depois de o projeto ser dado a conhecer, diferentes cidades espalhadas pelo mundo seguiram o mesmo desafio.

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Foi a partir dele que um grupo de cinco profissionais — uma gerontóloga, um animador sociocultural, uma assistente social, uma enfermeira e uma administrativa –, partiu para explorar emoções, estreitar relações e fomentar a reflexão interna sobre o muito que ainda há para fazer, junto de um grupo de idosos com idades entre os 65 e os 95 anos.

“Aqui falamos sobre as emoções que nos incomodam e também as que nos fazem mais felizes. Os funcionários fazem-no e os utentes sentem confiança para o fazer também. Fazemos ainda questão que a morte seja vista de forma natural, ou seja, que o antes de morrer não assuste. A mensagem que passamos é a de que a morte faz parte da vida. Por estas razões, decidimos desenvolver este projeto que já conhecíamos e que admirávamos”, explica Sofia Nunes, uma das responsáveis pelo projeto.

Pelo ambiente familiar que o Centro promove, responder à questão “o que querem fazer antes de morrer?” não foi difícil. Em poucos minutos, 27 sonhos foram conhecidos. Numa questão de dias, foram também partilhados na página de Facebook. A partir desse momento, milhares de contactos chegaram ao Centro — de pessoas, empresas e instituições –, com o objetivo de ajudar a realizar os diferentes sonhos.

Até agora, oito já foram concretizados: o senhor Alfredo e a Vitória foram voar, a Fidalga cantou para uma multidão no Theatro Circo, a Palmira voltou à Figueira da Foz, o José conduziu, o Manuel entrou num navio, a Palmira da Graça foi comer tripas de vinha d’alhos e a Alice encheu de abraços o Marco Paulo.

Apesar de não ser possível realizar alguns dos desejos — ou porque não são concretos ou por razões relacionadas com a saúde –, a iniciativa está a deixar todos os participantes entusiasmados.

“Mesmo as pessoas que não podem realizar os sonhos, estão muito felizes pelo facto de saberem que há alguém capaz de o fazer. A sensação de serem queridas por alguém que não as conhece deixa-as mesmo felizes. (…) Por outro lado, todos sentem que cada sonho que se realiza, mesmo que não seja o seu, é vivido como se assim fosse”, diz Sofia.

O Sr. Coelho, de 85 anos, é um desses casos. Tem o sonho de regressar a São Tomé, onde trabalhou quatro anos, mas por motivos de saúde não pode realizá-lo. No entanto, e como explica ao Observador, o seu sonho foi um dos que gerou mais solidariedade: “Houve quem quisesse pagar as viagens, houve quem oferecesse a sua casa para a minha estadia. Ligaram-me de lá, até!”

“O impacto que o projeto está a ter na sociedade é gigante. Com ele conseguimos demonstrar que as coisas mais simples podem ter mesmo muito significado, podem fazer outras pessoas felizes”, reforça o animador Ângelo Valente.

A ideia está também a sensibilizar outros lares, que ligam com frequência para o Centro Comunitário da Gafanha para esclarecer pormenores sobre este assunto ou pedir conselhos para o desenvolvimento de outras atividades.

É com esta motivação que o lar continuará a tentar realizar outros desejos, assim como vai continuar a motivar todos os que seguem o dia-a-dia do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo.