Nestes tempos em que anda muita gente a dizer cobras e lagartos do capitalismo, do mercado livre e do liberalismo económico, “Minions”, a primeira longa-metragem de animação dos ditos (desnecessariamente intitulada “Mínimos” em Portugal) vem elogiar, a contra-corrente, os valores que aqueles representam.

Primeiro, porque “Minions” é a criação de um estúdio independente franco-americano, o Illumination, instalado em Los Angeles e Paris, fruto da livre iniciativa e do sentido de risco, que trabalha praticamente 24 horas sobre 24 graças à diferença de fusos horários entre as duas cidades, e dá lucros fenomenais; e depois, porque os Minions, essas desopilantes criaturinhas amarelas como as bananas que adoram e devoram, vestidas de macacões de “jeans”, com óculos de mergulho dos anos 40 e que se expressam numa alegre e indecifrável algaraviada, enfrentam a desaprovação da esquerda, seja ela da variante cosmopolita Varoufakis/Piketty, seja da variante mais telúrica Arménio Carlos/Jerónimo de Sousa.

Os Minions em acção canora

Sucede que está na natureza dos Minions não só desconhecerem em absoluto conceitos como “sindicalização”, “contrato colectivo de trabalho” ou “greve geral”, como também só se sentirem felizes e realizados quando servem o mais cruel, o mais tirânico e o mais maléfico dos patrões (é um dado científico, indesmentivelmente comprovado pelos 15 minutos iniciais da fita, e sublinhado pelo narrador: “Sem um senhor, a vida deles não tem o menor sentido…”). E grande parte da piada reside na contradição entre esta predisposição genética e o facto dos Minions não terem em si uma suspeita que seja de maldade. Tudo pelo contrário, o que os transforma em irresistíveis personagens da comédia de contradição e de inadaptação.

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“Trailer” de “Minions”/”Mínimos”

Revelados em “Gru – O Maldisposto” (2010), de Pierre Coffin e Chris Renaud, como os desastrados e simpatiquíssimos ajudantes do Gru do título, o arquivilão de bom fundo e coração mole, e regressados na continuação, “Gru – O Maldisposto 2” (2013), dos mesmos realizadores, os Minions transformaram-se em celebridades instantâneas por mérito próprio, e automaticamente em poderosíssimos ícones do “marketing”. Era apenas uma questão de tempo até se autonomizarem (relativamente, claro…) e terem o seu próprio filme. E ei-lo, assinado por Kyle Balda, ex-animador da Industrial Light & Magic e da Pixar, e por Pierre Coffin, que continua também a assegurar sozinho todas as vozes dos Minions. (Sim, todas mesmo) .

Entrevista com os realizadores Kyle Balda e Pierre Coffin

Sempre com muito sentido de humor, muitas partes gagas visuais, verbais e sonoras, e abundantes piscadelas de olho cinéfilo-“pop”-“rétro”, “Minions” conta-nos a origem dos Minions e a forma como ao longo da História da Humanidade eles serviram, invariavelmente de forma catastrófica, uma série de senhores do mal. E segue depois os “enviados especiais” Stuart, Kevin e Bob na sua árdua busca, em plenos anos 60, de uma nova figura negra a quem o colectivo dos Minions obedeça, indo o trio parar às mãos da supervilã Scarlett Overkill (voz de Sandra Bullock), que quer ser Rainha de Inglaterra no lugar da Rainha legítima (um problema de infância que qualquer bom psiquiatra infantil explicaria).

Entrevista com Sandra Bullock

No final, depois de muita e hilariante confusão, e da destruição parcial de Londres, Balda e Coffin, que não dão ponto sem nó, juntam habilmente este filme pré-“Gru” aos da série onde os Minions se apresentaram ao mundo, que agora os plebiscita maciçamente sob a forma dos mais variados produtos de entretenimento e consumo onde eles figuram em destaque.

(Aviso: convém ficar mesmo até ao finzinho do filme, para lá da longa ficha técnica final, porque os Minions e os seus criadores, que sabem como funciona o mercado, têm sempre um brinde extra-narrativo para dar ao público.)