Não se sabe onde e como estava. Podia estar de pé, impaciente, cara de quem está perdido nos próprios pensamentos. Ou sentado, perna cruzada, costas a sentir o conforto do sofá, a bebericar qualquer coisa. Lionel tinha os olhos colados à televisão, isso é certo, porque sabia que dali a instantes um homem lá iria aparecer para lhe falar de convocados. Ou da companhia que Messi teria no Mundial. Um, dois, três, por aí fora até aos 23, Alejandro Sabella enumerou os argentinos para jogarem à bola na seleção e lá no meio não estava Éver Banega. A pulga não gostou, diz-se que houve chatice, caldo entornado entre craque e treinador, quando era mais o homem a depender das boas graças do extraterrestre do que o contrário.

O artista de pincel no pé esquerdo amuou. Pôs-se de trombas com o selecionador que não escolheu um dos seus melhores amigos para a seleção. A Pulga queria jogar à bola rodeado de amizades, como quem pega em quatro pedras, desencanta uma bola, chama uns amigalhaços, escolhe uma rua e faz uma peladinha lá no bairro. Lionel e Éver até podiam ter feito isso. Nasceram na mesma cidade (Rosario) e a idade apenas os separa um ano. Não o fizeram porque um foi cedo embora da Argentina e tiveram que esperar até que um relvado os juntasse num jogo a sério. Tbilisi fez-lhes a vontade e, antes de a bola começar a rolar, parece que o homem quis picar o monstro: “Vamos ver quem bate melhor na bola?”

Banega só teve de esperar três minutos para uma falta lhe parar a bola mesmo à beira da área. Ajeitou-a, deu uns passos atrás, olhou para a baliza, calibrou o pé direito e bateu o livre. A bola foi e entrou na baliza, Ter Stegen espalhou as raízes pelo relvado abaixo. Éver inventou o 1-0 com um golaço e não precisou de dizer mais nada a Léo. Porque o craque picou-se, viu o amigo a ser magnífico, a obrigá-lo a ser sublime para fazer melhor. E fê-lo à primeira tentativa. Porque aos 7’ a bola parou na fronteira da outra área e Messi fez o bem difícil parecer fácil — a bola entrou na baliza pelo ângulo superior direito e o 1-1 apareceu.

Amigos picados não podem acabar empatados e, por isso, outra bola apareceu quieta, aos 16’. Estava a uns bons 25 metros da baliza, mas Lionel puxou o balanço atrás, rematou-a dali e pronto. Era o 2-1, o terceiro golaço da final e a segunda bola que entrava na baliza do guarda-redes que, antes do jogo, também já picado, palpitou: “Messi é um futebolista fabuloso, mas desta vez acho que vai ficar a zero!”. Maldita a hora em que Beto decidiu palpitar, já que era do argentino o melhor que se via num Barça que era rápido a tocar a bola e mais rápido a cortar os espaços entre os jogadores do Sevilha. Os catalães acertavam em tudo o que os andaluzes erravam.

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Era a velha história de quem joga contra o Barcelona: a equipa de Unai Emery mal tocava na bola, não conseguia inventar nada de perigoso e apenas cruzava a linha do meio com passes pelo ar, cheios de esperança de encontrar alguém que os recebesse. E depois defendia mal, com poucos jogadores e sem homens no meio campo habituados a correr atrás de alguém, porque Khron-Deli e Banega são mais de olhar para a frente. E aos 44’, quando Rafinha esperou que Suárez lhe cruzasse a bola rasteira para fazer o 3-1, após um contra-ataque, a Supertaça parecia já ter decidido com quem iria viajar para Espanha. Aos 52’ até podia pôr-se a caminho do avião.

during the UEFA Super Cup between Barcelona and Sevilla FC at Dinamo Arena on August 11, 2015 in Tbilisi, Georgia.

Aí Suárez fez o 4-1 depois de Busquets adivinhar o passe previsível de Trémoulinas e apanhar a bola perto da área contrária. O Sevilha continuava a fazer demasiado de nada para o muito que o Barcelona inventava. Todos os passes, fintas e jogadas que os sevilhanos tentavam pensar não funcionavam. Por isso, começaram a tentar rápido, com força e poucos passes. O Sevilha acelerou com o coração, ao mesmo tempo que o Barça, com uma barriga cheia de golos, abrandou para os tentar digerir com calma até ao final do jogo. O primeiro a ter pressa foi Vitolo, que carregou um contra-ataque ao sprint até cruzar a bola com o pé esquerdo e, na área, o direito de Reyes marcar o 4-2.

Os minutos passavam e a mudança de atitude do Sevilha dava cada vez mais resultado: acelerar, levar a bola pelas linhas e cruzá-la assim que houvesse uma nesga de espaço. Uma dessas bolas ia direitinha à cabeça de Vitolo, aos 70’, e por isso Jérémy Mathieu agarrou-o para evitar um mal maior. Mas acabaria por ser ele a provocá-lo: o francês derrubou o espanhol, o árbitro da linha de baliza viu, o principal marcou penálti e Kevin Gameiro fez o 4-3. Agora sim, o Barça tremia, Messi mal se via e Unai Emery arriscava tudo. Colocou um lateral a central (Coke), deixou de mascarar o melhor médio que tinha como defesa (Krychowiak) e colocou em campo um italiano e ucraniano que adoram correr em campo — foram estes que lhe valeram o empate. O Barça defendia tão mal quanto o Sevilha o fizera na primeira parte e, num lançamento lateral, o italiano recebeu a bola e cruzou para o ucraniano marcar. 4-4, jogo para ser internado num manicómio.

Hora e meia não chegou para o futebol decidir qual das equipas era melhor — por pouco, já que Messi, aos 90’, bateu um livre que mandou a bola dar um beijinho na barra antes de ir visitar a pista de atletismo do estádio de Tblisi. A loucura da final aconselhou a que as equipas se acalmassem, mas nem por isso o prolongamento lhes seguiu o exemplo. Muitos foram os remates, os passes a rasgar, os cruzamentos com força e os contra-ataques frenéticos que se viram. Barça e Sevilha queriam decidir isto no bem da bola a rolar e não no mal de a ter parada, nos penáltis. E isto apenas aconteceu quando Lionel se lembrou do picanço que arrancara esta Supertaça.

TBILISI, GEORGIA - AUGUST 11:  Andres Iniesta of Barcelona lifts the UEFA Cup trophy as Barcelona celebrate victoy during the UEFA Super Cup between Barcelona and Sevilla FC at Dinamo Arena on August 11, 2015 in Tbilisi, Georgia.  (Photo by Chris Brunskill/Getty Images)

Porque houve um último livre, bem à entrada da área, para o argentino bater. O pé esquerdo convenceu a bola a passar a barreira, mas os braços de um sevilhano não a deixaram aninhar-se nas redes. Os jogadores do Barça que ali estavam berraram, reclamaram um penálti, fixaram-se no árbitro e apenas três homens não o fizeram: Messi, que pontapeou a bola que ressaltou à sua frente; Beto, que se esticou todo para evitar o golo no meio da distração dos seus; e Pedro Rodríguez, que sprintou para rematar a bola que o guarda-redes português parou, mas não agarrou. 5-4. Era a segunda vez que o espanhol decidia uma Supertaça aos 115 minutos (já o fizera em 2012) — diz-se que Pedrito vai para o Manchester United e que até foi suplente na final por fazer questão de ir.

No final, enquanto uns não iam buscar a medalha de vencidos e outros não recebiam o caneco de vencedores, Messi e Banega conversaram no relvado. Ambos sorriam, mãos à frente da boca, escudos para câmaras coscuvilheiras e curiosas não lhes lerem os lábios. Riam-se, talvez, porque foi do livre que Lionel não fez entrar na baliza que apareceu o golo que deu ao Barça a terceira Supertaça Europeia deste século (2008, 2012 e 2015). “Dá vontade de o matar quando se joga contra ele”, já dizia Éver, há anos, quando lhe perguntaram o que sentia quando jogava contra o amigo. Mas preferiu picá-lo. Resultado? Lionel Messi vai com 23 golos marcados em 23 jogos contra o Sevilha, conquista o 25.º caneco pelo Barça (ele e Iniesta, que igualaram assim Xavi) e o Barça de Luis Enrique imitou o de Pep Guardiola, ganhando quatro troféus relativos à mesma época. Ufa, que final.