“Fool me once, shame on you. Fool me twice, shame on me.” (Engana-me uma vez, tem vergonha. Engana-me duas vezes, a vergonha é minha). Não, a citação não é de George Bush Jr. – que também aqui conseguiu subverter a verdade das coisas – e não há certezas sobre a quem pertence a frase original. Desde a China antiga, à Itália do Renascimento, à França das Revoluções, todos reclamam a origem do famoso provérbio – incluindo novamente Bush que afirma ser uma frase originária no Tennessee. A única certeza porém prende-se com a escrita de uma terceira versão da autoria de Stephen King no seu livro sobre a arte da escrita: “engana-me três vezes, vergonha para ambos.”

Na passada E3 a PlayStation enganou os fãs pela terceira vez – e comprovou-o com a ausência na Gamescom 2015 – mas em vez de apontarem o dedo à marca, os fãs fizeram exatamente o contrário: invadiram a internet a aplaudir em êxtase, depois de uma conferência de fumo e espelhos digna da sequência de Richard Gere no filme “Chicago”. Razzle Dazzle’em, ou como escreveu King, vergonha para ambos.

Vamos recuar ao passado ao momento em que a Sony nos enganou a primeira e a segunda vez. Em 2006, a Sony lançou a PlayStation 3, depois daquele que foi um sucesso de vendas astronómico – e que continuou por vários anos – a PlayStation 2. A Sony resolveu criar uma máquina com muita tecnologia proprietária, complicada de compreender pelos programadores e criadores de jogos; e lançou-a no mercado praticamente sem catálogo de jogos e com um preço exorbitante. Neste mesmo mercado estava já há um ano a Xbox 360 com várias diferenças que abonavam a seu favor: uma arquitetura muito similar à usada no desenvolvimento para PC; exclusivos de peso; uma infraestrutura online revolucionária e um preço mais acessível.

Inebriada com o sucesso da PlayStation 2 e ignorando o crescimento da primeira Xbox – que começou por ser uma piada de bar por ser uma consola da Microsoft – a Sony assumiu um comportamento arrogante e prepotente. Eles – os jogadores – nada sabem, e vão aderir em massa como fieis numa procissão de fé. Não aconteceu. A PlayStation 3 debateu-se vários anos até iniciar os lucros e embora esteja hoje a terminar o seu ciclo de vida com enormes proveitos e um grande catálogo, levou muita tareia da Microsoft pelo caminho. Neste engano, vergonha para eles.

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O segundo grande erro chegou seis anos depois com o lançamento da PS Vita. Novamente embriagada, desta vez pelo sucesso da PSP, a Sony lançou uma consola para o mercado e entregou a produção de exclusivos a estúdios de segunda categoria que acabaram por produzir jogos que não passaram de medianos. Nos três anos que se seguiram os compradores da consola esperaram sempre por um sinal da Sony; por uma vontade de criar um grande catálogo para a sua portátil; por um acordar da marca – como aconteceu com a Nintendo no segundo ano da 3DS. Nunca chegou a acontecer e na última E3 nem sequer uma referência foi feita à consola que caiu para a categoria de acessório da PS4, leitor de novelas visuais japonesas, ou local para fazer porting dos jogos indie. Neste erro, a vergonha é para nós.

Chegamos então à atualidade e ao terceiro erro. Nos últimos dois anos a PS4 foi pisando a Xbox One em vendas, isto graças a uma quantidade enorme de erros de comunicação e estratégia por parte da marca Americana. No entanto, ao contrário da empresa de Redmond, que foi corrigindo a estratégia – mudando o foco do entretenimento em geral para os jogos; retirando a obrigatoriedade do Kinect ou do “sempre online”; implementando a retrocompatibilidade com os títulos anteriores – a Sony voltou a deixar-se levar pelo sucesso prematuro. No catálogo de exclusivos da PS4 está um jogo muito bom (Bloodborne), dois jogos medianos (Infamous: Second Son, Little Big Planet 3) e um grande conjunto de jogos muito maus ou com graves problemas no lançamento (Killzone, Knack, The Order, Driveclub, entre outros). O resto resume-se a jogos multiplataforma, indies (com os quais ambas as consolas estão bem fornecidas), ou remasters.

A conferência da Sony nesta E3 2015, que supostamente “arrasou” a da Microsoft, não foi mais do que um espetáculo de luz e som para esconder que a PlayStation só tem 2 reais exclusivos para 2015: Until Dawn que sai este mês, e Tearaway Unfolded . Em oposição e contraste, a Microsoft que mostra que sabe aprender com os erros tem um dos melhores alinhamentos de sempre com Halo 5, Forza 6, Rise of the Tomb Raider (um ano de exclusividade), Fable Legends, Rare Replay, depois de já ter lançado vários exclusivos que são jogos de qualidade (Forza Horizon 2, Sunset Overdrive, Dead Rising 3, Titanfall). No campo dos Indies para 2015 ambas as consolas estão com exclusivos de peso.

Foi por esta razão que tivemos uma conferência da PlayStation onde só deveríamos estar entusiasmados com um anúncio – Horizon: Zero Dawn – um jogo que promete uma jogabilidade fresca e cuja demonstração mostra já estar numa fase muito polida e avançada. The Last Guardian foi anunciado com jogabilidade, algo que já aconteceu há muitos anos atrás; Final Fantasy VII Remake apareceu com um trailer CGI; Shenmue 3 apareceu como uma campanha de marketing para o Kickstarter. Nenhum destes três jogos que supostamente aniquilaram a concorrência deverá ver a luz do dia antes de 2017. A verdade é que a Sony não tinha praticamente nada de novo para mostrar e resolveu usar uma estratégia de deitar abaixo a internet, o que como já se viu com o traseiro de Kim Kardashian faz correr muita tinta mas não possui nenhum conteúdo. Desta vez – a terceira – a vergonha é para ambos.

A ausência de conferência da PlayStation da Gamescom 2015 só veio sublinhar esta ausência de catálogo para o futuro. A Sony desculpou-se com a proximidade com a E3 e afirma preferir estar na Paris Games Week na última semana de Outubro. Caso a marca nipónica tenha um coelho para tirar da cartola não é de certeza para usar este ano, uma vez que os ciclos de marketing não se fazem em 15 dias (o tempo que depois faltará para o dia de acção de graças nos Estados Unidos) e mesmo assim terá que ser um grande esforço para fazer alguma sombra ao alinhamento da Xbox One para 2016 (Scalebound, Quantum Break, Gigantic, ReCore, Crackdown 3, Sea of Thieves, entre outros).

Mais uma vez, a Sony teima em não aprender com os seus próprios erros na marca PlayStation (a mesma postura que provocou a rutura na eletrónica de consumo onde deixaram de dominar) e atira-nos areia para os olhos. Dois exclusivos menores para este ano e um novo Uncharted prometido para o ano que vem. A mensagem em não aparecer na Gamescom foi muito clara, por mais que a tentem tapar: para este Natal não temos nada; para 2016 logo se vê. A mensagem da Xbox One foi exatamente o contrário: exclusivos de peso para 2015 e 2016, num dos maiores alinhamentos da história da marca. O que a Sony pensa que nos disse foi: como somos os maiores, é connosco que querem estar. O que a Sony realmente comunicou foi: se querem jogos, a Xbox One é a consola que vocês querem comprar.

Miguel Tomar Nogueira, Rubber Chicken