Há dias que teimam em não sair-nos da memória, da pele; são vivos, quase têm rosto, cheiro e toque. Não saem, por tanto que os anos teimem em arrastá-los para longe de nós. Quando se conhece alguém, o lugar onde se conhece alguém, quando se perde alguém, o lugar no qual nos foi tirado esse alguém, dias que são de alegria ou de tristeza, dias que não são dias, mas historia, a nossa história, não saem da memória. Nunca.

Quem é adepto de futebol, quem é verdadeiramente adepto, o adepto que sofre pelos onze homens que vê, semana após semana, com o símbolo do seu clube ao peito, a correr atrás de uma bola, a desafiar outros onze, a querer vencê-los, quem é adepto, à séria, guarda na memória os dias, todos, os melhores e os de mágoa, do seu clube. Quem é adepto sportinguista, não esquecerá, jamais, a noite de 18 de maio de 2005, quando, em casa, no José Alvalade, com as bancadas cheias, de euforia e de júbilo, não esquecerá que viu o seu Sporting tombar, derrotado, na final da Taça UEFA, diante do CSKA.

Quem é adepto sportinguista, recorda-se de um tal de Daniel Carvalho, que “destroçou” o seu Sporting no relvado, com dribles e passes de bola sempre colada à canhota, recorda-se de um tal de Vágner Love, o goleador que não espalhou “amor” naquela noite, mas quebrou-lhes o coração. A todos. Esta quarta-feira, 10 anos e três meses depois, os dois clubes voltaram a encontrar-se, não para discutir uma final, para erguer um caneco no final, mas para seguir por diante na Liga dos Campeões, para ultrapassar o playoff e estar onde estão os melhores da Europa: na fase de grupos.

Sporting: Rui Patrício; João Pereira, Paulo Oliveira, Naldo e Jefferson; Adrien Silva, João Mário, Carrillo e Bryan Ruiz; Teo Gutiérrez e Slimani.
CSKA: Akinfeev, Mário Fernandes, Ignashevich, Berezutsky e Nababkin; Dzagoev, Wernbloom, Tošić e Eremenko; Musa e Doumbia.

Esta noite, era noite de tombar os fantasmas daquele maio distante, maio dorido. O CSKA veio atacante, pressionante, com um velocista à esquerda do ataque, Nusa, nigeriano, e dois tecnicistas a deambular entre o centro e a direita, o canhoto sérvio, Tosic, e o “10” russo, Dzagoev. Na frente, vindo há poucos dias da Roma, vindo com a baliza do Sporting em mira, o goleador costa-marfinense Doumbia. Mas o Sporting de Jorge Jesus já joga segundo o “evangelho” do Mestre da Tática. Não treme diante da pressão, sai a jogar rápido desde a defesa, circula a bola pelos médios, por todos eles, põe-na nos avançados, que querem a baliza, o golo. Logo aos seis minutos, Jefferson bate um livre curto à esquerda, atrasa a bola para João Mário, que a cruza, longa, para o segundo poste, o mais distante, onde Teo Gutiérrez a amortece, de primeira, para a pequena área. Slimani não consegue antecipar-se a Ignashevich, e o russo corta-a para longe.

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Os leões movimentam-se como se movimentava o Benfica de Jesus. Não há lugares fixos, há deambulações, há velocidade e certeza no passe. Carrillo é cada vez mais um avançado que “rompe” as defesas desde o centro; João Mário, a defender, aproxima-se de Adrien Silva, mas, quando a atacar, descai sobre a esquerda; Bryan Ruiz, esse, está em todo o lado, não é veloz de pernas, mas é velocíssimo a pensar. E há Jefferson, claro, que é defesa, e tem que defender, mas na hora de atacar é uma “locomotiva”, é tremendo o fulgor com que galga e galga metros afora naquele flanco, para centrar, vezes e vezes sem conta, quase sempre bem, quase sempre tenso. Aos nove minutos volta a fazê-lo, a bola “foge” aos centrais russos, escapa-lhes, e surge Naldo, à ponta-de-lança, no primeiro poste. O desvio de pé direito saiu por cima da barra da baliza de Akinfeev.

O CSKA trata bem a bola, é verdade, como a bendita gosta de ser tratada, mas o Sporting está longe de a destratar. E tanto a tratou com bem-querer, que fez golo aos 12′. Foi Teo Gutiérrez o seu autor. Carrillo arquiteta um passe tremendo, a rasgar a defesa, Bryan Ruiz desmarca-se por entre os centrais, recebe-o lá dento, e à saída dos enormes braços do guarda-redes russo, desvia a bola destes, desvia-a para Teo, que encosta mal, mas encosta o suficiente para ela tomar a direção da baliza. 1-0 para o Sporting. O treinador russo, Leonid Slutsky, certamente que estudou o Sporting, mas, observando a sua reação desde o banco, de exaltação, de sofreguidão, sentado, ofegante, a praguejar em russo para consigo e com os jogadores, não estava à espera da entrada de leão do Sporting no jogo.

Aos 20′ surge o primeiro lance de perigo do CSKA. Ahmed Musa, vindo da ala esquerda para dentro, assiste Tosic, que rodopia, qual Zidane, na área, deixa Paulo Oliveira petrificado ao relvado, mas, depois de ultrapassar Rui Patrício, mesmo que sem ângulo, ao invés de rematar, centrou para Doumbia. Naldo antecipou-se ao costa-marfinense, cortando a bola. Os russos tinham menos bola, é certo, mas, quando a tinham, eram perigosos. Aos 26′, grande penalidade. João Pereira não teve pernas para Musa, que lhe “atazanou” o corredor direito o jogo todo, o nigeriano cruzou para Tosic, que, na área, chega primeiro à bola, desvia-a, e é derrubado por Jefferson. Na conversão, Doumbia escolheu a direita da baliza, mas Patrício também, e defendeu. Alvalade celebrou como se de um golo se tratasse.

Slimani era um mouro de trabalho na frente. Aos 33′, depois de uma jogada, aos encontrões e aos repelões de João Mário, o português lá conseguiu ver a desmarcação do argelino, endossou-lhe a bola, e Slimani rematou de pé esquerdo, olhos nos olhos com Akinfeev, mas o russo defendeu o remate. Aos 39′, novamente Slimani, novamente sozinho, mas desta vez gritou-se mesmo golo em Alvalade. Jefferson centrou como só ele sabe, desde a esquerda, Slimani surge ao segundo poste, o remate abanou as redes, mas as laterais, desde fora.

Doumbia e Patrício tinham contas por ajustar. E ajustaram-nas. O português levou a melhor no penálti, mas o costa-marfinense levou a melhor aos 40′. Roman Eremenko viu a defesa do Sporting subida, talvez demasiado subida, ate à linha de meio-campo, viu Doumbia a pedir-lhe uma bola na velocidade, e o internacional finlandês fez-lhe a vontade. Doumbia correu, correu, correu mais um pouco, correu que se fartou, deitou Patrício no relvado, contornou-o, e encostou, calmamente, lá para dentro. 1-1.

O Sporting sofreu um golo, mas não sofreu um abalo como em 2005. E respondeu. Aos 43′, dois dos protagonistas do jogo na primeira parte: Jefferson bateu um canto à esquerda, com a bola a fugir da baliza, Slimani dá dois passos atrás, os defesas não dão, fica só, e remata de cabeça com tal força, que obriga Akinfeev a ir buscar o remate ao segundo poste, no chão, a custo. O russo desviou a bola como pôde, Teo surgiu na recarga, mas o colombiano, apesar de nova defesa “impossível” de Akinfeev, estava em fora-de-jogo. Não contou a recarga. E assim o jogo foi para intervalo.

A segunda parte começou mais serena. O CSKA parecia satisfeito com o empate, e o Sporting não queria voltar a ser surpreendido com uma bola nas costas, atancando amiúde, mas atacando com mais certeza. A primeira oportunidade dos leões foi aos 51′. João Pereira faz um lançamento para área, longo, como Jesus gosta, como Maxi o fazia no Benfica, Slimani, aproveitando um desvio, amortece de peito, com classe, remata na passada, mas ligeiramente por cima do poste direito de Akinfeev. Não era tudo. De novo o Sporting, e de novo Slimani, aos 65′. João Pereira demora a soltar a bola na esquerda do ataque, mas, com a demora, trouxe para junto de si três jogadores do CSKA. Quando, finalmente, largou a bola, largou-a para Carrillo, sozinho, tão só que centrou, calmamente, num arco perfeito, para a cabeça de Slimani no poste contrário. Não foi golo porque Vasili Berezutski atrapalhou o remate do argelino.

O Sporting tentava a vitória, Gelson e Carlos Mané, que entraram na segunda parte, tentavam furar a muralha russa, mas esbarravam invariavelmente nela. Aos 81′, Aquilani, o outro que entrou no derradeiro tempo, levanta a cabeça, vê, desde o meio-campo, Slimani, lá longe, à entrada da área, a desmarcar-se, e passa-lhe a bola, longa. O argelino recebe-a de peito, amortece para Carrillo, o peruano devolve-a, com brihantismo, de calcanhar. Mas ainda havia muito por fazer; Havia que ultrapassar a muralha, a muralha de Ignashevic e Vasili Berezutski. E tentou, Slimani, desviou-se para dentro, puxou da canhota atrás, e rematou para a direita da baliza de Akinfeev, lá para dentro. 2-1.

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O Sporting controlou até final, mas tentou, sem desproteger a defesa, fazer mais um golo. Não conseguiu. O resultado, 2-1, é “curto” para ir de viagem à Rússia, na próxima quarta-feira. Vai ser um jogo para heróis, para a história, como na história ficou a derrota do Sporting em 2005. Meia “vingança” está conseguida, mas falta vingar a final de Alvalade por inteiro. Agora, é ir para a Rússia — felizmente, sem o Vágner Love do outro lado — e dar-lhes de retorno o “amor” que deram aos sportinguistas naquela noite.